segunda-feira, 14 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Verão olímpico
1. O tempo de verão não se esgota meramente numa das quatro estações do calendário do ano. Verão, na riqueza cultural dos variados programas festivos e turísticos, quer ser oportunidade de apreciar a beleza natural que nos envolve, da Ria ao mar, da serra aos momentos de partilha festiva. Quebrar as rotinas do exigente e rigoroso trabalho ao longo do ano, fazer uma viagem ou caminhada por locais diferentes, respirar a maresia do relaxamento de quem contempla e aprecia, são “pausas” que também podem dar anos de vida mais saudável. Não será uma questão de ir para longe ou de muitas despesas; este cultivar da paz consigo mesmo, com os outros e a natureza, é realidade gratuita, é como que uma oferta da bondade do criador, esta uma leitura significativa que dá sentido à própria vida também na procura de alimentar com serenidade os relacionamentos humanos. Como Alguém diz, o sol põe-se todos os dias, cumpre-nos apreciá-lo!
2. Este verão para os portugueses parece que vai ser mais ecológico. Saber das dificuldades discernir as soluções também pode significar que, com o aumento desenfreado dos combustíveis e do consequentemente custo de vida, as opções podem-se nortear por apreciar caminhos diferentes daqueles que são as grandes viagens turísticas (ainda que estas, necessárias, também garantam a vida aos seus promotores)... Ir “para fora cá dentro” poderá proporcionar um reconhecer nos patrimónios de Portugal um bem que tantas vezes é por nós próprios desconhecido. O verão, assim, pode ser oportunidade privilegiada para reconhecer nos “caminhos de Portugal” (ainda que muito património por preservar), toda a riqueza que temos, natural como edificada em monumentos seculares, facto que, isso sim, pode contribuir para a nova consciência propiciadora para sermos um país sempre melhor acolhedor daqueles que visitam o nosso sol!
3. No mundo, estamos a breves semanas do início dos Jogos Olímpicos de Pequim. Durante um mês a China quer passar a imagem de simbólica capital do mundo. Os sacrifícios e investimentos foram feitos a pensar no novo “poder” hegemónico, onde, todavia, a problemática crua dos Direitos Humanos aparece como o permanente aguilhão; que o diga a “chama olímpica” na sua atribulada viagem rumo ao Olimpo chinês! Há atletas que dizem que correm de máscara devido à grande poluição; há tarjas e bandeiras já feitas para “libertar” o Tibete; mas há presidentes de nações que, após a ameaça de ausência na cerimónia de abertura, já confirmaram a sua presença. Sabemos como são as coisas: abertos os jogos, certamente recheados de alma e mitologia chinesas, a corrida vai ser pelas medalhas. Já agora e porque as coisas são assim mesmo, puxando a brasa…vamos ver se Portugal consegue fazer ouvir o hino em Pequim! Do mal o menos, sejam estas as notícias e não venham incêndios (o São Pedro tem ajudado!)!
4. A Linha da Utopia vai de férias. Também irá ver o mar e a serra; retomará fresca em inícios de Setembro!
Alexandre Cruz [14.07.2008]

domingo, 13 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Nelson Mandela
1. O mundo celebra os 90 anos de Nelson Mandela (nasceu em Qunu, a 18 de Julho de 1918). Têm sido muitos os testemunhos eloquentes sobre esta personalidade que representa a luta pelos direitos cívico e sociais da África do Sul do séc. XX. Mais que o activismo antiapartheid de Mandela, que lhe custou décadas amarguradas, o destaque da sua vida orienta-se pela capacidade de entender os tempos políticos e o facto de não viver sentimentos de “vingança”, estes que poderiam ser uma atitude “justificada” de retaliação em relação ao tempo de cativeiro que sofreu. Nelson Mandela viveu 27 anos como prisioneiro, em que teve como número «46664», o actual nome numérico de uma organização de luta contra a sida em África, criada por si em 2003. O seu percurso de vida enaltece a capacidade de reconciliação acima de tudo, em que para o consolidar da democracia, como diz, «lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra» na África do Sul.
2. No ano de 1993 Mandela recebe o Prémio Nobel da Paz. Uma atribuição ao “fim” de uma vida de luta incansável pela dignidade da pessoa humana, patamar único que poderá garantir a paz social. O esforço de isenção, a valorização do que une em vez do que separa, a capacidade de viver o “tempo” da vida na esperança de um “amanhã” livre e melhor, efectivamente, fazem de Mandela um símbolo para as gerações da actualidade. A construção do seu projecto de vida exigiu uma resistência ilimitada: foi preso em 1962, escapou à pena de enforcamento, ficou no cativeiro em prisão perpétua. Insistia no grito: “lutem!” A conjuntura sócio-política foi-se abrindo até à sua libertação, pelo presidente Frederik de Klerk, em 1990, “momento” que nos lembramos de ver em directo da televisão (sem tudo compreender na altura). A “liberdade” e igual dignidade das gentes da África do Sul teve, na generosa vida de Mandela, um elevado preço que importa agora saber cuidadosamente preservar.
3. A actualidade, mesmo nas instabilidades da África do Sul e do próprio mundo, exige que não se perca a memória da história que precedente. É sempre um perigo o que se verifica nos tempos posteriores à conquista das liberdades. O alimentar da liberdade é tarefa que, todos os dias, precisa de ser realizada na formação, educação e cultura da responsabilidade pessoal e social. Apesar daquilo que é o mistério da vida, na essência sempre limitada em cada pessoa humana, é bom e importante apreciar os exemplos de grande humanismo que nos fizeram chegar até ao presente. Das pessoas vivas, Mandela talvez seja o último «humano gigante», ainda que também uma memória construída pela conjuntura de perseguição, é certo. Mas dele será importante aprender os valores da entrega, da bondade e da generosidade; sempre ao serviço dos outros. Seja esta a autêntica escola de vida para o séc. XXI!
Alexandre Cruz [13.07.2008]

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Chimpanzés Cidadãos?!
1. A notícia desperta e desafia a curiosidade do bom senso e do verdadeiro sentido de humanidade: «parlamento espanhol debate “chimpanzés como pessoas”». Confunde-se aquilo que são os maus-tratos, algo sempre a condenar seja em que realidade for, com a assumpção a uma qualidade de dignidade reservada para os humanos. A questão, embora parecendo simplista, é bem séria e profunda. A proposta do grupo Parlamentar Esquerda Unida junto com a Iniciativa Catalunya Verds, representa a fronteira do essencial debate contemporâneo sobre a hierarquia de verdades e sobre o lugar do ser humano no seio de todas as realidades criadas. São já muitos os sistemas de pensamento em movimentos internacionais que, defraudados com a maldade dos humanos, adoram tanto a natureza que detestam as pessoas; este próprio panteísmo vai-se assumindo, à revelia descomprometida das religiões que estimulam ao compromisso histórico, como nova forma de religiosidade, quase natural e misticista, que misturando de tudo um pouco dá um chamado “Cokteil”, uma miscelânia que pode ter o nome de New Age (a Nova Era do Aquário), nascida pelos anos 60.
2. Esta complexidade das novas formas de compreender a “liberdade” pós-humana, sem hierarquia de valores, tem mesmo fundamentação científica: está provado que os chimpanzés têm memória e que o homem partilha «98,4 % dos genes com os chimpanzés, 97,7 % com os gorilas e 96,4 % com os com os orangutangos. (…) Uma organização internacional com o mesmo nome do projecto procura uma declaração da ONU sobre os direitos dos símios e defende direitos iguais aos dos “menores de idade e aos incapacitados mentais da nossa espécie”, segundo os responsáveis do projecto.» Na internet, uma leitura de relance dos comentários ao projecto espanhol, é um profundo alerta sobre o que está a acontecer no mundo, nomeadamente em termos dos pilares fundacionais da humanidade. Por exemplo, o uso descontextualizado da dignidade da pessoa humana transferida para o mundo animal, ou mesmo dos seres vivos e coisas em geral, são reflexo de grave pobreza de valores e de humanidade.
3. Alguns manifestam que a ideia não é nova e que, finalmente, um país tomou a dianteira. Sublinhe-se que não chega o comprovar-se científico da comum pertença de genes entre o ser humano e o chimpanzé; ser humano científico que fica aí perdeu a noção do seu lugar. É indescritível e preocupante o significado (e as consequências) do que esta simples proposta espanhola representa como iceberg de uma imensa conjuntura de questões decisivas quanto ao futuro. É oportunidade para sublinhar e fundamentar o lugar único do ser (do sentir) humano como obra-prima de todas as realidades existentes, estas a merecerem todo o zelo e protecção, precisamente, por parte dos humanos. Estamos diante de uma questão de absoluta fronteira na qual a generalizada indiferença é o terreno favorável à perca da própria identidade humana. Os acontecimentos obrigam ao despertar ético para o que está a acontecer.
Alexandre Cruz [10.07.2008]

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Sacerdotisas?
1. A sábia prudência pode conduzir a não problematizar. Mas o encarar os horizontes de futuro obriga a reflectir. Nem seguir as euforias do progressismo nem o fechar da reflexão como se a história não fosse por essência (divina) aberta e à descoberta. Não é novidade para ninguém a matriz patriarcal como noção de “serviço/poder” do judeo-cristianismo, factor que presidiu à configuração das religiões monoteístas e igrejas ao longo dos tempos, mas que retardou mesmo a assumpção social e cultural do horizonte do feminino nas sociedades. A própria possibilidade de um debate teológico aberto, metódico e coerente, no seio das instâncias do Vaticano é ainda uma miragem; a noção de uniformidade de pensamento num dado tão acessório como a “ordenação de mulheres” é bem pesada, o que condiciona toda a estrutura eclesial a não poder dizer outra coisa senão o que diz a estrutura superior: que o assunto está bem como está e que não é sequer para pensar nele!
2. Se se fosse, efectivamente, a pensar a sério nestas questões concluía-se algo tão simples como que Jesus Cristo não fez acepção de pessoas em termos de género (masculino ou feminino) e que escolheu, naturalmente, condicionado pela cultura patriarcal sua contemporânea, e que hoje escolheria seis homens e seis mulheres; ou melhor convidaria culturalmente em função da competência e liderança e não de qualquer outro critério como o de género ou de raça. Esta conclusão, tão simples, a par de outras mais complexas obrigaria a terminar o “discurso da compensação”, quando se procura “iludir o sol com a peneira” ao dizer-se que «a mulher tem na Igreja um papel fundamental» e possui mesmo uma «visibilidade muito grande», como se refere nestes dias (pelo presidente da CEP), fundamentando a rejeição ao pensar da ordenação de mulheres e, ainda, dizendo que entre a própria comunidade protestante o assunto não é pacífico…
3. Sente-se que o mundo precisa mesmo de profetas. A admissibilidade da ordenação de mulheres (e referimo-nos exclusivamente a esta matéria), assunto sensível que vem à tona da água em momentos em que a comunidade anglicana antecipa o futuro, simboliza hoje a necessidade de ir à essência do Cristianismo. O ano dedicado a São Paulo, que faz 2000 anos de nascimento, poderia ser oportunidade de abrir, ao jeito ousado de Paulo, alguns “dossiers” de algumas “questões” absolutamente acessórias (que continuam a ser faladas nos bastidores), mas hoje mais importantes que nunca, em relação à força central da Mensagem de que as igrejas são na história o esforço da presença viva. A sociedade civil, nesta questão concreta da coerência de género, vai muitíssimo à frente. É, naturalmente, preciso coragem (Paulina) para aprender dos valores do bem comum sabendo situar-se no tempo cultural presente. É evidente que não dizemos que tudo o que é tido de “moderno” é bom, de maneira nenhuma…
4. Também há quem veja nesta questão uma dimensão de reivindicação feminista; de maneira nenhuma, não é isso. Será sim, a necessidade séria, coerente e urgente de aprofundar o essencial do Cristianismo, de “joeirar” o que foi sendo a “ferrugem” da história e aceitar a conversão no novo e desafiante tempo do séc. XXI (B. Haring). Esta questão do sacerdócio feminino, com seriedade e serenidade, talvez seja uma dessas questões decisivas. Não a querer ver, primeiramente como sério debate, é fechar a portas ao presente-futuro. E tanto que o mundo precisa de “ar fresco”! A prudência, quando apreendida da viagem da história, conduzirá à abertura de espírito nas grandes questões; até porque o que se deseja para o mundo tem de ser viver “ad intra”. Toda esta reflexão no “princípio da racionalidade” (ponto de contacto com o mundo que se procura servir), que tudo sabe fundamentar e debater, não é nada de novo… AC [08.07.2008]

terça-feira, 8 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Made in Pamplona
1. As notícias quase que estranham o facto de ainda não ter havido neste ano, até ao momento, nenhum morto. A largada de touros pelas ruas de Pamplona, por ocasião das festas de São Firmino (um dos santos patronos da região de Navarra, que nada tem a ver com isto…!), pertence àquelas tradições que nos deixam sem palavras. A “barbárie” recheia o turismo mas faz mal à mente; são milhares e milhares os turistas provenientes de muitos países para ver e, corajosamente, correr à frente dos touros que atravessam os cantos e recantos da cidade antiga de Pamplona. Diz-se que os turistas vêm à procura de grande “adrenalina”; mas não a querem por completo pois não correm de frente para os touros! Os resultados são feridos e mortos; todos na lógica o sabem e atiram-se com predisposição ao que vier… No primeiro dia só conseguiram oito feridos!
2. Mobilizam-se os serviços de urgência, bombeiros a socorrer os voluntariamente atropelados; os cuidados de saúde ajudam os que quiseram, consciente e livremente, ser “comidos” pelos touros. Nas bermas bate-se palmas aos valentes corajosos, grita-se, descarrega-se numa catarse a ver quem fica no chão. Os touros vão correndo no seu instinto a limpar o caminho até à arena final, a praça de touros. Tudo estranho e organizado; tudo, diga-se, sinal explícito de sub-desenvolvimento civilizacional que vende grandes lugares turísticos, e ainda por cima continua a usar-se um “nome de santo” para carimbar a fasquia da intocável tradição. Faz lembrar o que acontece com São João Baptista, foi condenado por causa de uma festa e um baile, depois de defender causas de libertação, verdade e justiça; e agora fazem-se festas e bailes em nome do Santo...
3. A proclamada ordem do progresso e do desenvolvimento no não foi capaz de diferenciar e “libertar” a história de certas amarras que em nada contribuem para um diário bem comum. Há romarias e tradições lindas e dignificantes (a fortalecer e a continuar); mas há determinados hábitos tradicionais que em nada favorecem uma sociedade pacífica e harmoniosa (estes a redireccionar ou mesmo, corajosamente, a terminar). Até parece que o próprio “princípio da racionalidade” como diferenciador do que é bom e do que é mau, acaba por ficar diluído e longe das grandes manifestações colectivas que representam a ponte com a história das gentes. E mais ainda: quase que se procura o que é esquisito, diferente, contra-natura, enaltecendo-se esses heróis que enfrentam as fronteiras da vida e dos touros.
4. As ruas de Pamplona, que já não precisavam de tanta publicidade; estão em todas as estradas do mundo quando os valores da paz e do sentido de Humanidade é ameaçado. Pena que assim continua a ser! Claro que se alguém lá disser isto está liquidado… Mas também “temos” parcelas desta inquietação. A razão humana ainda tem “faces animalescas”, ainda não cresceu até ao nível de cada momento de vida pensar e activar o desígnio da paz! A única via para o futuro comum.
AC [08.07.08]

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Quem debate a pobreza?
1. Começa mais uma cimeira dos oito países mais ricos do mundo, designados elegantemente de G8. Por contraditório, com tanta riqueza junta, um dos temas de fundo a debater é a pobreza no mundo actual, particularmente em África. Verifica-se que são os que menos poderiam falar que têm quase toda a palavra; um debate que, embora integre (fica sempre bem) algumas figuras dos chamados países pobres, parece cabalmente inquinado à partida. Os “exploradores” marcam agenda para reflectir alguns dias sobre como encontrar soluções para terminar com a pobreza nos países e sectores que exploram; são os principais produtores de tecnologia e energia que geram dependência do resto do mundo; países G8 que ao longo de todo o ano procuram estratégia para ter mais, subtraindo aos que menos têm que, agora, fazem a pausa simpática para “perdoar” uns “cobres” e prometer algumas medidas de boa vontade, quase tocando aquela “solidariedade egoísta” em que dá sempre jeito haver pobres… Pois, é a dureza da verdade!
2. O escândalo, hoje tornado mediático, do flagelo da miséria e da fome crescente que atravessa e agrava muitos países não se compadece com o “discurso da circunstância”. Esta realidade crua de, na generalidade, os países ricos debaterem a pobreza dos outros deixa um amargo de boca em bocas sem pão. Não está, à partida e com isenção, em causa nenhuma linhagem política nem económica; mas estão gravemente em causa todas essas forças quando elas impedem o desenvolvimento das suas sociedades ou provocam mesmo o seu próprio subdesenvolvimento. Também o mega-fenómeno das manifestações anti-globalização, que já fazem parte da tradição no acompanhamento paralelo das cimeiras, nada adiantam de especial a não ser a própria afirmação da globalização no “grito” da desordenança global. As fronteiras são ténues; mas quanto mais alguns procuram refugiar o debate da pobreza mais a multidão de pobres caminha para a rebelião… Precisamos da racionalidade.
3. As instâncias da Organização das Nações Unidas a par de dinâmicas da sociedade civil continuam a ser o fórum próprio para a questão de fundo da pobreza ser justamente debatida na óptica do desenvolvimento dos povos. Cada semana que passa o fosso riqueza / pobreza agrava-se, não numa generalidade filosófico-política mas na vida de pessoas como nós, onde a luta pela sobrevivência assume contornos dramáticos. As instâncias devidas, desfocadas e porventura comodamente instaladas, estão a receber sinais decisivos até ao clímax das mudanças sócio-políticas. A insustentabilidade do modelo de sociedade actual está bem espelhado na crise dos mais variados recursos que obrigarão ao profundo repensar dos paradigmas de desenvolvimento. Nesta procura de justiça já é muito “tarde”, e tudo fica sempre por dizer… Mas que do norte do Japão, onde ocorre a isolada cimeira do G8 com países africanos, venha “ar fresco”… Mais que ajuda económica (dar o peixe), já prometida em 2005, provenham justas condições ao desenvolvimento (ensinar a pescar). Tudo passa pela verdade do interesse…
Alexandre Cruz [07.07.08]

sábado, 5 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Cultura humanista
1. Ter uma visão de conjunto da história permite-nos a necessária distância crítica para melhor compreendermos o tempo presente. Não que a história se repita, mas que algumas ideias força possam ter “semelhanças” com outras épocas, nomeadamente sobre o balançar da experiência humana que ora vai pelos patamares mais técnicos (ordem mais da matéria, estruturalismo – que podemos personalizar nos clássicos em Aristóteles), ora pelas vias mais humanas (ordem tendencialmente do espírito, humanismo – representado por Platão). Certamente que os estudiosos da historiografia, filosofia ou os antropólogos saberão ter a noção mais exacta, da justa medida, em que estes pêndulos podem mesmo significar as duas ideias força que ao longo dos séculos têm andado a puxar os fios condutores da história, sucedendo-se uma à outra…(?) Neste sentido procurador, perguntar faz bem…
2. Temos assistido na história da humanidade, na sua linhagem marcadamente ocidental (somos escritores da história de nós próprios o que nem sempre acaba por resultar justo), a momentos de forte impulso de desenvolvimento científico-económico e depois à sua crise e progressiva maturação. O progresso científico-técnico traz consigo a “desmontagem” de determinadas concepções de vida que passam a ser qualificadas de tradicionais, vindo também propor uma visão estruturalista, metodicamente organizada, da vida, onde todos os rigores da surpreendente ciência seduzem a ponto de não haver fronteiras para esse admirável mundo novo, e onde o patamar humaníssimo e ético acaba por ficar na prateleira. Com o acalmar do “pó”, verificando que as euforias dos novos conhecimentos também geraram muitas fracturas, e diante do desencanto humano e da “falta de sentido”, retorna a procura da fonte originária da Humanidade, surgindo um Humanismo que venha dar “ar fresco” e ânimo ao tempo histórico da vida pessoal e social.
3. No primeiro momento (quase nesta dialéctica do progresso), a ciência e técnica afirmam-se como auto-suficientes; no segundo momento, Humanista, é o retorno de todos os saberes como serviço à “casa comum”. Neste contexto da procura de um “método” para o futuro, vale a pena partilhar uma opinião, no âmbito dos 3 anos de pontificado de Bento XVI (17-04-2008), em que Guilherme d’Oliveira Martins destaca que «o Papa utiliza um método todo inovador e muito promissor, que é o de citar textos e autores profanos, em confronto com textos da Igreja, para melhor ilustrar as ideias e reflexões propostas. Este procedimento, inédito até este pontificado, abre horizontes novos, uma vez que põe o pensamento religioso em diálogo com o mundo e as ideias contemporâneas, em nome do enaltecimento da razão e da compreensão dos seus limites (a invocação de autores como Adorno e Horkheimer é, neste sentido, muito curiosa e significativa.» Prossiga, em tudo, esta racionalidade dialogal.
4. Neste método dinâmico da aprendizagem com a diversidade do outro pode estar o retorno de um Humanismo sadio que reponha no seu lugar o “humano” acima de todas as realidades e coisas. Aqui haverá SER humano capaz de reencontrar o sentido pleno da Vida, este que supera todas as dictomias e divisões da história. Ressurja uma cultura verdadeiramente humanista: esta garantirá a preservação do bom senso, em tudo e em todos!
Alexandre Cruz [06.07.08]

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Sentar à mesa
1. Os cenários sócio-económicos da actualidade continuam a merecer os mais variados comentários dos mais diversificados quadrantes. Todos observam a crise, e alguns até na sua estratégia carregam na tecla crisófila dizendo que ela continua para ficar e agravar; a lucidez das soluções é que parecem tardar, facto que também se comprova pela ausência de plataformas de encontro e entendimento a partir da realidade. Da União Europeia os zigue-zagues, demonstrativos de um fosso em que os cidadãos estão e parecem querer estar (longe), reflectem a incerteza e indecisão de contornos históricos. E nestes contextos de transformação planetária são bem mais as mesas habituais da analítica comentada que as da procura das soluções a partir das práticas.
2. Não é fácil vislumbrar caminhos de saída da encruzilhada do mundo presente, e futurologia é tarefa que os humanos não dominam. Mas talvez o descortinar a justa medida do “copo meio cheio” precise de despertar aquelas mesas que podem apontar caminhos. Depois da II Guerra Mundial foi o tempo histórico da criação das grandes plataformas de encontro e da estruturação das grandes organizações que marcaria o tempo da qualificada modernidade: nesta a preocupação consistente pela Humanidade em geral foi uma imagem de marca, e daqui derivaram toda a multiplicidade de organismos enraizados na ONU – Organização das Nações Unidas. Entretanto verificámos em 1989 a queda do Muro de Berlim, que assinalou a abertura total da era da globalização já na pós-modernidade (esta mais individualista e indiferente) previamente esboçada.
3. Uma quantidade e qualidade de transformações sucedem-se (até no panorama da revolução internet), a que não é alheio o simbólico 11 de Setembro de 2001. A nova complexidade de relacionamentos planetários a par do emergir dos povos orientais como potências desmonta as “mesas” antigas, despertando para novas urgências sócio-político-educativas. O facto de quase tudo hoje ser transnacional, o que entre nós se reflecte no “país que se decide em Bruxelas”, torna clarividente que as respostas antigas agora colocadas seriam como «remendo novo em pano velho». O tecido social está todo em ebulição; não é efectivamente um mal (como por vezes se diz), é uma realidade nova que obriga ao reajustamento. Assistimos a grandes mudanças; não se trata de começar de novo (ninguém começa nada de novo), tratar-se-á de compreender para melhor agir…
4. Um dos principais sintomas da crise é a objectivação explícita que, muitas vezes, os variados sectores sociais têm andado a puxar uns para cada lado. Erro tremendo que se reflecte em tantas propostas sociais irrealistas e inconsequentes em relação à crua realidade. O flagelo da fome já é o julgamento da história pela incapacidade de entreajuda político-económica dos vários actores em cena. Há novas mesas a reinventar, há novos conhecimentos a joeirar e potenciar nessa causa decisiva da sobrevivência, o mesmo é dizer, do autêntico serviço à casa da humanidade. Inadiável!
Alexandre Cruz [03.07.08]

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
A inteligência das emoções
1. Sente-se (e justifica-se) que em certa medida exista uma desconfiança das emoções. Mas está estudado que são estas que comandam a vida e o mundo. As razões para o preconceito e não integração das emoções e afectos prendem-se mais com a história dos séculos passados que com a realidade presente. Especialmente desde o princípio da modernidade do séc. XVI as emoções dominaram as razões a tal ponto que originaram páginas de precipitação intolerante baseadas mais em intuições emocionais que em razões lógicas. Mas já desde os tempos clássicos que, no esforço de compreensão “organizada” do ser humano, se considerou que ele é corpo e espírito. Os séculos racionalistas acentuariam a objectividade material e experimental; os tempos mais voltados para as componentes espirituais sobrevalorizaram a face das ideias desprestigiando as noções terrenas. Agravaram-se algumas dictomias (ou uma coisa, ou outra) a ponto de haver nos quadros do pensamento quase (imaturas) incompatibilidades.
2. Para quem vive “preso” à história, neste terreno da profundidade humana as razões fundamentam os medos e, consequentemente, a prudência aconselha à desconfiança. Para quem vive nesses paradigmas do passado (cartesiano), mesmo nos terrenos científicos da maior vanguarda do conhecimento, esta fronteira é ténue, e prefere-se o rigoroso separar das águas entre corpo e espírito. Fala-se de progresso humano mas tem-se medo de incluir nele todas as formas de conhecimento; sabe-se que os grandes problemas da humanidade actual não têm solução tecnológica (mas sim humana), mas sobrevaloriza-se e exalta-se o patamar da ciência tecnológica, cortando asas aos horizontes das ciências filosóficas, humanas e religiosas, dos clássicos como das artes. No fundo, pelo arrastar desse passado histórico (que continua) de graves incompatibilidades, temos medo de no presente incluir em diálogo (transdisciplinar) todos os conhecimentos…
3. E, assim, verifica-se que quando o mundo designado de intelectual abandonou as razões de possibilidades desta harmonia “mente sã em corpo são”, então esta abordagem da unidade psico-somática transitou para a lógica, muitas vezes, da irracionalidade… Que o digam todos os exoterismos e misticismos que, em palcos não iluminados pela ordem razoável do ser, fazem o seu falacioso caminho. Talvez seja mesmo preciso, urgentemente, resgatar a pluri-unidade dos conhecimentos para um patamar da justa racionalidade, isto é da inteligência emocional. Obras como a de António Damásio (os estudos da neurobiologia da consciência) derrubam essa dictomias antigas, como se o ser humano fosse um encaixotado de gavetas frias. E tudo quando se sabe que as emoções lideram o mundo. Ou a presente crise internacional não demonstra cabalmente que: 1. temos de superar as limitadas abordagens metodológicas da história; 2. temos dialogado muito pouco em rede com os vários conhecimentos; 3. que as publicitadas “expectativas” que comandam as bolsas de valores e os preços do petróleo são o novo nome da “inteligência das emoções” (= do sentir).
4. Sabemos que estas são águas profundas, mas são elas que em novos paradigmas de abordagem podem oferecer o justo equilíbrio a uma desejada humanidade humana; tudo diante dos desafios / oportunidades da globalização.
Alexandre Cruz [02.07.08]

terça-feira, 1 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
A fasquia dos modelos
1. Falar-se de rigor e exigência são ideias que estão na moda mas num patamar marcadamente económico. É, naturalmente, bem que assim seja, que o proclamado rigor percorra esses caminhos; mas que bom seria que esta fosse a medida padrão de tudo quanto são as relações humanas e sociais. Por vezes parece que um contraditório gritante paira sobre a vida social, em que a lógica do interesse comanda aquilo que são os caminhos diários das sociedades. Exige-se “exigência” economicamente, mas desprestigia-se o rigor ético; quer-se fazer da empresa ou da equipa de futebol uma família para ver se se chega ao triunfo, mas pouco valor parece dar-se efectivamente, como modelo de referência, à “família familiar” na sua essência e verdade.
2. Dos escaparates das revistas de imprensa, de cor de rosa ou de outra cor, os modelos sociais de pessoas e vidas estão aí apresentados, como poder de atracção para as camadas mais jovens. Mas que fasquia de valores eles contêm? Que generosidade de vida e resistência nos princípios apregoam? Será que são publicados porque têm mesmo leitores garantidos que preferem a intriga do “casa / separa” às virtudes para uma vida rica de sentido? Que lugar nessas páginas ocupam as famílias felizes, os filhos amados, os idosos amparados, a generosidade que brota da comunidade (familiar) mais importante do mundo? Com toda essa panóplia e com a péssima ideia (subdesenvolvida) de que tudo o que se diz ou o que vem na revista é verdade…que futuro, efectivamente, queremos para a sociedade em geral?
3. Já são muitos os estudos publicados que demonstram que sem famílias e comunidades enraizadas em valores de pertença a sociedade em geral não tem a sua rede de sustentabilidade. A verdade é que os modelos novelísticos são propostos continuamente e normalmente (no realismo da observação) eles têm pouco de fidelidade e de verdadeira felicidade. Talvez também aqui precisemos de um “choque ético de imprensa” que seleccione e faça a opção pelo que merece ter visibilidade em valores positivos no cumprir da sua missão de “educabilidade” social. Vale a pena salientarmos, neste patamar, o caso excepcional da Revista XIS, que vinha aos sábados com o jornal Público. Fez um caminho de cerca de cinco anos; acabou, já há alguns. Nada de novo e estimulante veio ocupar um lugar popular e social idêntico, nesse esforço de divulgação valorativa dos exemplos de alta fasquia de valores e generosidade.
4. Como em tudo, não são os grandes momentos que educam e transformam. É na simplicidade do dia-a-dia que a mensagem passa (ou não). A fasquia das mensagens dos modelos famosos é, hoje, um verdadeiro espectáculo pobre de valores; falam de um amor que não o é, sem futuro, porque é bem mais interesse que generosidade e abdicação. E é esta a mensagem que, silenciosamente, vai passando… Como também, e essencialmente aqui, despertar o rigor e a exigência como valores gratificantes ao sentido da vida?
Alexandre Cruz [01.07.08]