quarta-feira, 31 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
Páscoa, a mesa para pensar
1. Aproximam-se os dias de Páscoa. Brotam os apelos não só à tradição que a tudo se junta mas sim ao autêntico sentido do que o acontecimento representa. A Páscoa abre-se ao convite universal a saber ler a vida de forma continuamente recriadora. É da consciência de que o tempo não é só cíclico e repetitivo mas que traz consigo um «sentido» ascendente, é nesta alma que poderá acontecer Páscoa. Tudo o que gira em torno das festividades pascais pode ser bom, mas a sua efectiva razão de ser, o «coração» da Páscoa é o mais importante. Aquele acontecimento chamado de «Pentecostes», onde todas as línguas e todas as culturas em Jerusalém se entendem na mesma linguagem do «amor», é a grande novidade da Páscoa.
2. Esse acontecimento recriador do «dia seguinte» ao do sacrifício é a grande lição a tirar: o amanhã pode ser melhor, é importante «querer» e «crer» para que o melhor futuro aconteça. Há uma multidão de «crentes» anónimos que vivem, por outras palavras, o desígnio pascal, e como este não é limitado a outras condicionantes que a prática do bem e a procura da verdade, então essa força e presença positiva amplia as possibilidades do «projecto». É natural que tudo pode parecer estranho ao olhar crítico ou a quem não procura construir-se numa dialéctica de confronto enriquecedor com o Absoluto; é verdade que a existência histórica de imposições de «fé» ou de convicções existenciais, foram (ou são) a própria contradição da riqueza do admirável pluralismo pascal.
3. A Páscoa é ao mesmo tempo simples e de difícil compreensão. Existe, se se entra na viagem do sentido da vida e da história. Afirma-se, desde a antiguidade, nos valores da liberdade responsável e empreendedora. Mas não há Páscoa sem preparação da «mesa» do encontro, dessa sempre nova oportunidade de participar na mesa para pensar. É por isso que o nobre gesto de quem se levanta da «mesa» (o lava-pés) é o caminho que pode construir para a eternidade. O «serviço» autêntico reflecte a abertura da «passagem» a toda a poesia restauradora do «ser com» e do «ser para». Dando-lhe um nome, será «Páscoa»!

terça-feira, 30 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
As faces perigosas do facebook
1. Talvez sempre tenha sido assim com as novidades, mas os novos instrumentos da comunicação têm capacidade de sedução sem limites. Quem tiver tempo de sobra e não tiver auto-domínio bem pode passar a vida agarrado ao computador, a navegar por todos os mares e todas as águas que a internet proporciona; das mais límpidas às mais turbas. Mas tudo terá de ter um limite, até porque qualquer excesso tem repercussões maléficas à própria vida e até pode ferir a biologia pessoal. Lembramo-nos quando perto do ano 2000 as mesmas universidades que formavam cientistas da maia alta tecnologia também formavam os ciberpsicólogos para curar os excessos cometidos no seu uso.
2. Agora a recente notícia dá conta de que «clínicas tratam viciados no facebook». Já existe até um nome técnico para qualificar a anomalia dos abusos de facebook: «facebook Addiction Disorder». A obsessão deste entretenimento facebook, além de poder gerar efeitos sociais distorcidos em relação ao diálogo humano, ao trabalho e ao compromisso para com a vida e a sociedade concreta, segundo estudo recente «provoca sintomas semelhantes aos apresentados pelos viciados em substâncias como a nicotina, álcool ou comprimidos.» Em 1995 havia sido diagnosticada a Internet Addiction Disorder; agora, mediante a necessidade de curar as diagnosticadas perturbações psicológicas devido aos abusos, o conceito passou para o facebook.
3. Como é natural, não se duvide que existem mil potencialidades de aproximação e relação entre gentes e culturas que estas novas estradas proporcionam; não reconhecê-lo será cair na outra face do perigo, de rejeitar aquilo que é o sentido da inovação e da aproximação da Humanidade a si mesma. Mas os perigos são também inúmeros; a vigilância prudente e o saber dominar-se a si mesmo revelam-se valores essenciais à preservação até da saúde humana, quanto mais da saúde da relação interpessoal. O perigo alarga quanto mais o acompanhamento humanístico das novas gerações que vivem no facebook vai rareando. Entregues ao facebook?!

segunda-feira, 29 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
A nova era do Porto de Aveiro
1. Decorreu há dias a inauguração da ligação ferroviária ao Porto de Aveiro. Momento solene de registo histórico (27-03-2010) que marca uma nova era para a instituição e, pela sua grandeza estratégica, também para a região. Do pensamento de 30 anos, a ligação foi concretizada em 30 meses, esta a afirmação mais sublinhada que procurava unir as ideias às práticas da capacidade de realização humana. Aveiro, Ílhavo e a região, sentiram este dia como seu, na vivência de um momento talvez comparado como quando pela primeira vez o comboio entrou em Portugal, ou semelhante à inauguração de uma ponte quando se estabelece uma nova ligação.
2. No mundo global, tudo e todas as instituições e pessoas procuram estar ligadas. Ligação significa entrar na rede, factor que amplia em muito as potencialidades estratégicas, tornando o que está longe bem mais perto. Os portos portugueses, por esta última ligação, estão todos ligados à rede ferroviária. O Porto de Aveiro já era referência, mas a linha agora abertura torna-o ainda mais capaz. A concretização do sonho de décadas é meta e impulso que fazem de Aveiro e região pólos de atracção apetecível, com o que isto tem de óptimo, mas como o que acarreta de responsabilizante e acolhedor. O progresso tem preço, mas é o progresso e o desenvolvimento que abrem história e que se atraem consecutivamente.
3. É em ano de centenário da Gafanha da Nazaré que o comboio chegou ao Porto de Aveiro. Momento simbólico que a memória registará nos anais. Também a feliz coincidência do tempo de efeméride quer reconhecer e sempre ampliar o espírito empreendedor, das gentes que moveram forças para esta realização às que agora vêm chegar o comboio a bom porto! A relação do homem com a “água” sempre foi factor de dinamismo e progresso. A linha “unida” ao mar…reflexo dessa vontade de diálogo para o desenvolvimento social de todos.
O FIO DO TEMPO
O histórico coro virtual
1. O momento histórico foi a 24 de Março de 2010. Crianças de doze países participaram no cantar do tema «Lux Aurumque» dirigido pelo maestro (virtual) Eric Whitacre. Uma experiência, ao que parece inédita, no campo musical e que se poderá transferir para outras esferas da vida social e cultural global. Os comentários mais apreciadores um pouco por todo o mundo qualificam o resultado de «impressionante» e «surpreendente», mostrando bem as potencialidades positivas das novas tecnologias e do chamado mundo virtual. O YouTube regista o momento histórico das 185 vozes a uma só voz, todos em palco como se fosse real e um maestro situado no seu lugar expressando o ritmo de uma nova ordem de produção cultural com ecos socio-globais.
2. A composição de tão brilhante ao olhar comum até impressiona pela estranheza… o primeiro impacto do inédito momento. Esta expressão de unidade, a primeira certamente de muitas do género, juntou crianças da Áustria, Argentina, Canadá, Alemanha, Irlanda, Nova Zelândia, Filipinas, Singapura, Espanha, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Mais perto que nunca e também unidos pela arte musical. O potencial das tecnologias deste modo irradiam a sua expressão admirável da maravilha de estarmos mais próximos mas, ao mesmo tempo, compromete-nos a gerarmos proximidade real. O vencer da distância não será para nos afastarmos da realidade diária; não tão virtuais que percamos o que de real e concreto somos.
3. Para além da experiência, os seus efeitos positivos haverão de ser ampliados para domínios da aprendizagem em convivermos com as diferenças de culturas, lendo-as como um enriquecimento deslumbrante quando conseguimos ter a capacidade de entoar a mesma “melodia”. Também os tempos que correm, generalizados de menos optimismo, agradecem este ar fresco musical no que representa em si e principalmente no que pode vir a ser. São estes momentos que pela sua força inovadora e simbólica são capazes de abrir uma nova era.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
O afunilamento económico?
1. O já famoso assunto do PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) interessa a todos. As acções propostas no programa e as reacções emitidas ao PEC mostram bem como à medida que passam os anos e as décadas, com os elementos surpreendentes da nova ordem económica, parece que esta rede truncada se vai fechando na questão económica. Não se duvida da importância de uma gestão rigorosa, justa, ética, sustentável, que garanta o futuro. Mas parecemos enredados num nó que teima em desatar: um apertar de cinto que não desaperta a ponto de, não se duvide, a questão da sobrevivência para uma multidão de gente ser mesmo a dura palavra de ordem.
2. Ao longo das últimas décadas foram-se procurando lançar visões inovadoras da economia e mesmo em vez de falar em «economia» procurou-se abrir esta noção à riqueza que a ideia de «desenvolvimento» contém. É certo que não se pode viver fora do mundo e a micro ou marco gestão obriga ao reforço de medidas que, por sua vez, reforçam os apertos antigos, aqueles que se vão arrastando de ano para ano. Uma bitola parece que se foi mantendo e que no nosso país continua a acentuar a desigualdade social: o facto dos pequenos passarem a ser mais pequenos, estando-lhes o cinto num aperto interminável. A par desta regra, também outra: a de que mesmo com todas as crises os pacotes de férias de Páscoa já parecerem a caminho de esgotar!
3. Estamos no Ano Europeu contra a Pobreza e a Exclusão Social. Estamos num ano depois do safanão da crise financeira mundial. Estamos na Europa da profunda crise económico-social grega. Vemo-nos gregos, e as lições da memória e do tempo tardam em ser transferidas para novas possibilidades em ter sabedoria capaz para tirar partido da crise para um desenvolvimento mais capaz. Como inventar e vencer a inércia? Como viver para além da economia, mas tendo a “casa” arrumada? É pouco só sobreviver; quanto mais se afunila mais estreito parece ser o caminho. Bem-vindo o retorno do comércio solidário? Troca por troca. Um retorno inovador!

terça-feira, 23 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
Paradigmas e comportamentos
1. É bom sentirmos que determinadas épocas são forte estímulo ao aprofundamento e progresso da reflexão. Sem ideias as acções não atingem a qualidade desejada, e a reflexão é esse lugar especial de apuramento de novas metas a atingir. Neste contexto, o tempo de preparação da Páscoa é oportunidade privilegiada para que a vivência festiva tenha autêntico significado pessoal e social, para que não seja só a tradição a conduzir os valores pelos quais e nos quais se procura alicerçar a vida. Que bom seria que, acompanhando os tempos fortes do ano e as quadras festivas mais expressivas, fosse sempre despertado o momento de se apurar conteúdo que dá sentido à vida e inspiração aos desafios.
2. A Comissão Nacional Justiça e Paz é uma dessas instâncias que procuram ser presença crítica na sociedade actual. Para estes 40 dias antecedentes da Páscoa lançou um documento intitulado: «Novos paradigmas, novos comportamentos». Temática sugestiva de mensagem que vale a pena ler para dialogar nela rasgos de criatividade e presença social. Como hábito neste perfil de intervenção, faz-se um diagnóstico da realidade (ver), consideram-se os discernimentos necessários ao progresso (julgar), e propõem-se caminhos de relançamento e superação das problemáticas. Desde as questões da ecologia à problemática fenómeno da pobreza (neste Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social), são múltiplas as temáticas abordadas que valerá a pena reflectir e desenvolver.
3. Independentemente do modo de pensar de cada um, o primeiro passo de qualquer diálogo será aceitar «pensar». A festa, como a vida, que se prepara cada dia quererá ser meta de chegada e ponto de partida para a superação daquilo que são os obstáculos que sempre pertencem ao caminho.
Se o tempo actual é de novos paradigmas, a forma de estar no comportamento haverá de se ajustar à nova realidade. Mas nesta, sabe preservar o essencial.

quinta-feira, 18 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
Paremos diante de uma poesia!
1. O tempo primaveril está à porta. Se não propriamente as condições climáticas ideais da quadra, no calendário está a chegar a mudança de estação, assinalada a 21 de Março com a entrada na Primavera. Com o brotar rejuvenescedor da natureza, o espírito humano é convidado a elevar-se de forma recriada e poética. É neste nobre relançar de objectivos, também num tempo em que a aproximação à Páscoa ganha um novo fôlego, que o Dia Mundial da Poesia vem propor-nos um tempo de paragem e reflexão. Desde 1999 que a UNESCO colou ao início primaveril a arte literária da poética como atitude de elevação e dignificação.
2. Nos tempos que correm e na agitação da vida, talvez esta seja uma oportunidade rica de valorizar a pausa de poesia como um caminho aberto ao enriquecimento pessoal, como apelo à sensibilidade e ao conteúdo recriador. As pressas da vida num prato da balança precisam do outro lado da necessária temperança reequilibradora para a qualidade de vida que se apregoa ter efectivamente alma e chama. Ao olharmos e mesmo diante da riquíssima diversidade de culturas e religiões, diante da opção (ou não) de cada um por esta ou aquela perspectiva; dentre essas a opção por uma visão cristã da vida e da história humana em sociedade…diante de todas as hipóteses de construir um caminho, ou mesmo para quem nem sequer coloca qualquer hipótese, a poesia como caminho de pensamento e identidade faz bem e dá saúde.
3. Como na era dominante e dominada (ou mesmo domada) pelas tecnologias, de que modo propor-se à revalorização da “palavra” e nesta da ideia e “palavra poética”? A poesia, como reflexo de interioridade, é muito mais que palavra que flui; reflecte o ser, a alma, o sentir, a transcendência de que a existência é capaz. Como dizia o célebre cientista teólogo, Teilhard de Chardin (1881-1955), «tudo o que sobre converge». Talvez este mundo apressado precise bem mais de subir em níveis de reflexão e sabedoria humanística para poder convergir no essencial da condição humana.

quarta-feira, 17 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
A dor a solidão do vandalismo
1. Todo o acto vândalo é condenável. Aliás, vândalos eram os bárbaros, aqueles que promoviam a barbárie, a matança sem freios, a promoção iníqua do mal, o dividir para reinar. O ambiente vândalo convém a quem quer domar e dominar. O acto vândalo como o de violência para a resolução de contenciosos ou opiniões diversas, espelha o mau estar de quem o promove ou faz. À sociedade feita de gente adulta e amadurecida o acto violento e bárbaro não faz parte do programa de argumentação, e as palavras que hão-de ser ditas em sede própria na procura de fundamentação não se poderão traduzir em acto violento obscuro. Só a menoridade e o fanatismo conseguem conviver com o sombrio vandalismo.
2. É demolidor e fatalista mais que o acto em si a ideia de o realizar. Quando não há pensamento racional ou quando não há instrução, porventura, é menor a obrigação da ética e o acto violento contém alguma atenuante. Mas como “a quem muito é dado mais é pedido”, o acto de violência idealizado e executado por quem tem pensamento próprio é crime inqualificável. Neste passo do terrível e impensável que os humanos podem fazer uns aos outros, aos que estão cá e até aos que já partiram, vale a pena meditar nas palavras de alguém que viu criticamente no seu tempo a desgraça da barbárie humana, de quem gosta do mal.
3. Montaigne (1533-1592) viu e denunciou a mortandade que os europeus donos da razão cometiam para com os outros povos encontrados: «o que, porém, nunca entre eles se viu foi uma opinião tão desregrada que justificasse a traição, a deslealdade, a tirania e a crueldade, vícios vulgares entre nós. Podemos, pois, chamar bárbaros a esses povos face à razão mas não face a nós, que os ultrapassamos em toda a sorte de barbárie». Que habita na cabeça de quem usa a razão para a prática da violência e do vandalismo? Que perturbadora realização e felicidade é essa, a da prática do mal aos outros? A enfermidade de quem pensa e age no vandalismo é e será a dor da profunda solidão por que se escolheu seguir o caminho...

terça-feira, 16 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
O reequilíbrio em realização
1. Existia a ideia típica do euromundo de que as comodidades nos pertenciam, que o modelo de desenvolvimento justo e honesto seria este, em que não nos falta quase nada em termos de bens materiais. À medida que a roda a girar da globalização acelerou o contacto de uns com os outros, tomámos conhecimento desses valores adquiridos a tal ponto de deles não conseguirmos abdicar pelas consequências nefastas que isso trazia. O mundo e a visão do mundo (mundivisão) estava desequilibrada, e tal como nos fomos habituando a TER sem SER, outros continentes foram preservando bem mais a noção de SER que hoje os está a conduzir ao TER.
2. A crise financeira de 2009, se não deu as necessárias lições de ética reguladora aos que agora vão apontando o mesmo caminho que afundou o barco, um efeito essa crise teve: o manifestar incontornável dos novos centros do mundo, dos países que até agora nos últimos séculos eram vistos como menores estão a ser bem maiores que uma Europa que nem a grave questão na natalidade consegue reflectir. Desses países (BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China), habituados a sofrer e a não se acomodar no bem-estar, vem agora um novo mundo de referências, umas libertadoras pela inspiração de sabedoria, outras fragmentadoras, como no mundo complexo do trabalho.
3. Dados novos (sempre numa dialéctica de continuação, é certo) estão diante de mesas velhas. O racionalismo europeu, o iluminismo que estruturou o Estado de Direito possível está, também pela rede atrofiadora da liberdade “queimada” pela libertinagem, num regresso à “caverna” donde saiu para se repensar. O reequilíbrio custa, e custa tanto mais para quem está no estado de perda como nós. Nos países emergentes (já bem erguidos!) a motivação sobre dia-a-dia em flecha. Diante deste pessimismo da resistência que nos falta e por isso chamamos “crise”, estarão os grandes valores humanistas do mundo ocidental em vias de perda? Não é uma questão de tecnologia mas de existência e por isso de resistência.
O FIO DO TEMPO
A Grécia e o futuro
1. Sabe-se da crise social grega, pois que ela até foi apontada como o futuro que não desejamos para nenhum país, também não para Portugal. As imagens da continuada contestação social na Grécia são reais e tocam, a partir do país origem da razão democrática, os alicerces da sobrevivência de gentes e comunidades. Como propor medidas restauradoras diante de crise presente? Como estimular caminhos de exigência e poupança para multidões que estão no limiar da sobrevivência? A contestação não é superficial, toca o pão para a boca. Para o restabelecer das finanças do país, as medidas só podem ser de austeridade, como se ela por si chegasse para a resolução do problema. As ruas de Atenas vivem a cultura das massas em histórica contestação social e humana. Maio de 68, Atenas de 2010 – crise social?
2. O confronto é atitude constante, terreno fértil ao crime de roubo. Como contestação à austeridade a greve esteve e está na agenda do dia; se toda esta energia fosse na liberdade empreendedora catalisada em motivação comunitária, o desenvolvimento social poderia estar bem mais perto. Se o sagrado direito à greve é intocável, também o é o realismo do não saber que se fazer para se sair donde se chegou. Se pudéssemos voltar ao passado?! Uma das fortes medidas é aumentar os impostos sobre o álcool; é bem mais justo que assim seja que aumentar o pão de cada dia. O ditado “casa onde não há pão” pode-se aplicar sempre que o “trabalho de casa” não foi feito e se sofre as consequências do desgoverno de alguns que tirou o pão de tantos outros. Será assim?
3. Não há fórmulas para a superação da crise, esta que tem raízes que perduram por décadas e pode ter razões e valores (ou a sua ausência) que estão entranhados nas sociedades. Nestas lides, um pequeno mau hábito, um gesto não sério, um momento de interesse corrupto cometido um vez e multiplicado em milhões de vezes e anos pode conduzir ao precipício uma cidade, um país, um continente. Estaremos a pagar a factura da desregulação da liberdade nas políticas e nas economias? Ou não sabemos e não nos adaptámos?

quinta-feira, 11 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
A força da credibilidade
1. Quem “folheia” num minuto as notícias pelos sítios da internet dos principais jornais diários sente que o relatório de acontecimentos destacados são pouco inspiradores pois trazem sempre consigo sintomáticas nuvens de insatisfação. Dois recentes sublinhados poderemos destacar: a entrevista do presidente da república que salientou a necessidade da “ética nos negócios”, e os resultados da revista forbes que exalta Américo Amorim como o homem mais rico do país. Quem não se lembra de há quase um ano o gigante grupo Amorim ter executado o despedimento de trabalhadores justificando tal facto pela crise reinante! A este perfil noticioso pode-se juntar os resultados que vão chegando do exercício do ano de crise 2009, de que se poderá destacar há dias o rejubilar dos magníficos resultados da EDP…
2. A credibilidade e a ética precisam de pés firmes e o sentido da riqueza e da economia carecem de uma finalidade bem mais elevada. Quando se governa um barco poderá ser fácil seguir o caminho do “não olhar a meios para atingir fins”. Bem mais difícil, e há muita gente heróica anónima neste país, será gerir a fronteira da empresa na linha esforçada de responsabilidade social. Também é urgente superar o mito antigo da menoridade em que o lobo era sempre quem governa e o cordeiro vítima o trabalhador. Casa pessoa é uma pessoa, cada caso um caso, cada empresa ou instituição é uma realidade única a reclamar medidas únicas.
3. O alto enriquecimento à custa do empobrecimento é a pior das chagas sociais e poderá ser (sempre foi) o princípio da (re)volução libertadora. Se todos empobrecem, todos se sentem no mesmo barco; se um enriquece à custa do desemprego e miséria de muitos, dá vontade de dizer: «pobre riqueza». A ética do negócio em cenários de crise capaz de gerar credibilidade, aconselha vivamente ao repartir do “mal pelas aldeias”. A revista forbes confirma que continuamos longe! Até quando?

quarta-feira, 10 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
E ao virar da esquina?
1. Na data de 10 de Março 2010, José Gil deu a última aula. O conceituado filósofo português, em 2005 segundo a revista francesa Nouvel Observateur um dos 25 maiores pensadores do mundo, aposenta-se como professor. Fica célebre a sua obra Portugal Hoje – o Medo de Existir, que o trouxe para a ribalta do grande público. Mas o filósofo é sempre construído na reflexão aprofundada e nas leituras silenciosas da realidade global. A última aula foi sobre o tema da linguagem artística e a filosofia, e o que tudo isto tem a ver com a vida das gentes em Portugal e no mundo. José Gil, como filósofo sistemático, tem um forte sentido crítico apurado no olhar de observação do real; todos, como filósofos espontâneos, haveremos de desenvolver mais esse espírito crítico que nos faz pensar e reflectir para melhor agir.
2. Não interessa, de modo algum, concordar com tudo o que diz este ou aquele filósofo. A aprendizagem do pluralismo e da interculturalidade fará de todos seres pensantes e conviventes na diversidade das gentes. Esta será a maior riqueza. Poderemos, na medida das identificações, apreciar num confronto enriquecedor este ou aquele pensador, numa aceitação sempre interrogada mas em que se vão encontrando peugadas firmes. Numa das rádios José Gil salientava o novo e complexo quadro de incertezas “ao virar da esquina”, diante da fragmentação e diluição daquilo e das ideias que pareciam certas. Nessa equina estejam todos os que, insatisfeitos com o presente, procuram descortinar caminhos de melhor futuro.
3. Por vezes os filósofos podem parecer pessimistas e a sua interpretação da realidade mais escura que optimista. É fácil estabelecer acordo de que a profunda mudança social exige bem mais atenção de todos. Mas exista mais tempo e lugar para reconhecer, como diz o filósofo, que «há uma inteligência que só a arte nos dá e que é fundamental». Estará o sentido artístico em perigo? Navegando na arte aproximamo-nos da Verdade e do melhor da Humanidade.
O FIO DO TEMPO
A chacina da Nigéria
1. A notícia foi abrupta e continua a chocar a recta razão. Não é novidade a chacina que as intolerâncias provocam, e a história das ideias que está por trás de cada notícia destas faz-nos a pensar sobre as capacidades do entendimento humano, seja em que século for. Na Nigéria, são milhares de mortos na última década. Nestes últimos dias juntam-se-lhes mais algumas centenas. Números e pessoas tristemente confundem-se… Os apelos do exterior, da secretária morte-americana Hillary Clinton, de outros estados e da Human Rights Watch, pedem comovidamente que se detenham e se julguem os responsáveis por esta chacina de centenas de pessoas no centro do país. A Nigéria parece um limbo, cheira à morte provocada pela intolerância…
2. As ordens do recolher de pouco ou nada valem. Neste contexto pressionado, qualquer acendalha pode reactivar o fogo cruel. Que causas de tudo isto? Pela rama, deve-se a assaltos ao gado do “vizinho”. Pelo sentido profundo, as razões tocam o combate étnico e religioso, entre muçulmanos e cristãos. Liderança? À crise da fome junta-se a ausência de quem tenha forças capazes de liderar o mal menor para o bem social. Desde Novembro que Umaru Yar’Adua, chefe de Estado nigeriano, tem estado ausente por uma longa hospitalização na Arábia Saudita. Regressou há pouco tempo, e diante da euforia de multidão em brasa e colhendo os maus frutos de desordenança que a impunidade reinante gera, quase nada há a fazer.
3. Das razões que a “razão” desconhece são a intolerância étnica, política ou religiosa o pior dos males deste mundo. Como em cenários dantescos semelhante ao da Nigéria replantar a saudabilidade de se viver com dignidade? Quantos mais mártires são necessários e quanto sangue jorrar para se ver o fim? As perguntam podem não acabar. Mas elas têm de se voltar para a consciência de cada agressor. Para isso é preciso baixar as armas…
O FIO DO TEMPO
Bulling, exclusão e cultura da paz
1. O recente caso do aluno de escola de Mirandela que desapareceu no Rio Tua, na confirmação de que seria vítima habitual de violência pelos colegas dentro e fora da escola, faz-nos reparar e reflectir que a exclusão não é só um triste fenómeno dos adultos mas que de tenra idade ela já faz história e cria infeliz escola. A violência gratuita, em grupo, física ou psicológica, o Bullying, é causa (por si) e gera consequências dramáticas. Precisamos de uma cultura de paz, de tolerância, de respeito pela diversidade e pela opinião dos outros; mas, contraditório com esta vontade, os meios mais poderosos de comunicação anunciam bem mais a violência que a harmonia.
2. Sempre que numa escola acontece algum episódio de violência ou que nos seus contornos actos de intolerância podem tocar os muros das escolas, vem aquela crítica muito injusta de desaprecia o meio escolar. Com objectividade, hoje pede-se bem mais à escola que aquilo que se devia pedir; o eixo fulcral dos actos violentos quando acontecem na escola, são porque foram levados para lá; o problema é profunda e transversalmente social e não da comunidade escolar; esta é “chamada a” mas não consegue nem pode responder a toda a complexidade de problemas que lhe entram pelas portas. Mas também esta realidade, e tendo em vista um paradigma de formação e educação social, obrigará a repensar a existência programática da escola actual.
3. Com olhar minimamente crítico, e para além das diferenças de etnias ou proveniências, a exclusão começa por coisas tão simples como o ter isto ou aquilo, ou ser deste clube ou daquele. Quando a estas tolerâncias em embrião se juntam a idade e a luta pela sobrevivência, a par de uma fulcral desinformação de que «com os outros» vamos todos mais longe, temos o terreno fértil à imposição violenta sobre outros diferentes e iguais como nós. Continua por construir a fórmula da paz, por isso ela precisa da humanidade de todos. Seja também a formação educativa, ao longo da vida, mais perita em Humanidade.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
A cultura preventiva
1. São as situações imprevistas que testam as verdadeiras capacidades das nossas previsões. A cultura preventiva e de segurança tem de ser vista como factor de desenvolvimento e progresso, pois garantem mais possibilidades de sucesso perante cenários imprevisíveis. Ao dizer-se que “homem prevenido vale por dois”, afirma-se as vantagens de se estar preparado e formado para tudo, para que quando se verificar a indesejada ocorrência surpreendente a capacidade de resposta tenha discernimento e valor acrescentado. Neste factor preventivo, hoje, teremos de juntar conhecimentos para além dos clássicos teóricos, incluindo os próprios conhecimentos das leis (não só físicas mas) também da natureza tendo como pano de fundo a realidade que temos, e não só a que gostaríamos de ter.
2. Parece-nos que persiste um grande défice em termos das necessidades educativas referentes à actuação diante de situações humanitárias, de momentos de emergência, das noções básicas para se poder socorrer sendo parte da solução e não do problema. Tudo porque quando não se sabe como actuar, procurando ajudar pode-se desajudar. Sabe-se que no sistema de ensino e aprendizagem podem-se fazer todos os cursos, graduações e pós-graduações sem nunca fazer parte dos programas, por exemplo, um mini curso de socorrismo, de segurança no trabalho, de actuação em situações de emergência. As vantagens desta formação para todos e para cada um seriam evidentes, mas a sua aposta precisa de ver mais valorizada a visão da educação como um todo pessoal e social.
3. Como em tudo, o ideal seria não ser necessário a urgência para então depois se patentear a vantagem. O primeiro passo seria antever, prever para ser clarividente a necessidade da aposta nesta formação de cultura preventiva, a qual teria efeitos polivalentes e transversais à vida em sociedade. Para quando o realismo nos conduzirá a estas apostas estruturantes?
O FIO DO TEMPO
Relativização e não relativismo
1. É frequente a equiparação de “relativismo” à consciência da relativização necessária diante da fragilidade humana. Os acontecimentos tempestuosos recordam a condição humana, uma fragilidade sempre perturbadora mas inevitável. A relativização das coisas como modelo de observação da realidade ajuda-nos a diferenciar o essencial daquilo que é efectivamente secundário. É relativo o “se vamos por aqui ou por ali”, mas não é relativo que somos, existimos e que estamos chamados à realização plena. Esta abordagem orienta-nos para um plano superior, o de compreender o que queremos dizer quando se repete que “tudo é relativo”.
2. É enganador que “tudo é relativo”, e tudo depende do patamar de que falamos. Em termos de forte corrente cultural, observa-se um “relativismo” que cria escola generalizadora da diluição de valores prévios, do confundir o que é bem com o que é mal, do agarrar na subjectividade dos valores transformando-a em factor gerador mesmo de anti-valores. Após as sucessivas épocas de positivismos, as correntes de relativismo, pegando na identidade pessoal dos indivíduos como admirável dado único, têm manobrado e criado muita da escola do individualismo do Ocidente. Por exemplo, as grandes questões fracturantes que apuram razões com as bioéticas actuais reflectem o relativismo ético, fechados do qual se torna depois difícil vislumbrar rumos a seguir. Este relativismo, como novo paradigma cultural (ou mesmo especialmente sem cultura), estudando-se a si próprio asfixia-se e impede um rasgar de horizontes de exigência transformadora pessoal e social.
3. O que é que tudo isto tem a ver com a realidade diária e com as novas gerações? Embora as catástrofes naturais mostrem como somos relativos (limitados e pequenos), a verdade é que não se pode transformar esta condição de relatividade num relativismo em que tudo vale a pena, no “tanto faz como se fez”! A confusão entre relatividade da condição humana e relativismo cultural também pode ser terreno fértil a um novo “carpe diem” desmotivado e descomprometido. Isto é tudo o que não é preciso.
O FIO DO TEMPO
É hora de reconstrução
1. Umas vezes construímos, outras reconstruímos. A construção é o primeiro passo; a reconstrução, como segundo momento, exige uma avaliação ponderada daquilo que serão os alicerces mais profundos com a finalidade de mais e melhor se conseguir a desejada segurança sustentável. Os dias deste mundo não têm sido fáceis, a natureza alerta-nos de diversas formas, as forças humanas são desafiadas à resistência e persistência. No meio de tantas tempestades têm existido “machados” que se enterram, de quem reconhece que “temos andado tão enganados”, de que afinal “Portugal é assim”, solidário, de coração grande!
2. Mas após o “acalmar do pó” vem o dia seguinte que deverão ser os meses seguintes, os anos seguintes, o tempo seguinte. A força da reconstrução faz lembrar sempre a “fénix renascida”, quando das cinzas da tragédia se redescobrem capacidades antes ocultas, porque agora testadas com os safanões da natureza que nos preside e que também somos. A reconstrução precisa de tudo e de todos; a reconstrução que não é só uma questão de tecnologia de forças e de máquinas, mas exige bem mais a chamada “força interior”, a alma, a consciência dinâmica de quem está receptivo para aprender e crescer com cada acontecimento.
3. Não há outro fio condutor ao futuro que não seja o da esperança, e esta não é um objecto mas um sentir. Do Haiti à Madeira, da Madeira ao Chile, a história que se vai escrevendo nestas tragédias faz pensar para actuar e reflectir para interiorizar sobre a condição humana diante da delicada mãe natureza. Esta é a hora onde também têm lugar aquelas perguntas sobre se temos sido bons administradores e gestores sábios dos recursos que o planeta transporta? Ou se temos sido factor de desequilíbrio com graves consequências? Nos últimos anos tem crescido o cinema de catástrofe que retratas as verdades inconvenientes... Mas o sol, com a sua beleza radiante, voltará a pôr-se todos os dias. Façamos tudo por este filme!

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O FIO DO TEMPO
Mais próximos que nunca, mas
1. É impressionante a velocidade a que crescem as formas de comunicar. Os instrumentos e os formatos da comunicação brotam como cogumelos. Quem hoje tem dez anos nunca imaginou que um dia a televisão foi a preto e branco, ou que muitos séculos vivemos sem os telemóveis. A super abundância de instrumentos seduz a habilidade de os manusear. A competição entre as novas gerações não são tanto sobre quem sabe de “saber” mas de quem sabe “mexer”. A habilidade de manuseamento tecnológico está tornada a nova “ciência”, ficando propriamente o conteúdo mais para trás. Está patente aos olhos de todos, até pelos piores motivos de tragédias naturais ou humanitárias, que pode faltar tudo o resto menos a informação multi-proveniente, esta cada vez faltará menos (há sempre um telemóvel a gravar), será abundante, cabendo ao “leitor” organizá-la.
2. Após esta expansão imensa dos alcances informativos e dos mil e um instrumentos utilizados, é hora do reforço da aposta na qualidade e na grandeza do conteúdo que se transmite. Como é possível esta aposta na qualidade se a avalanche de equipamentos cresce de dia para dia? Será possível ensinarmos e aprendermos que mais que o equipamento vale o conteúdo, e que o equipamento só vale efectivamente se for ao serviço do conteúdo? A aproximação do mundo em relação a si próprio e às suas imensidões de diversidades é o desafio para o século XXI. Pelos instrumentos somos conduzidos ao encontro uns dos outros; mas uma clara impreparação em termos de conteúdos culturais será hoje o grande «calcanhar de Aquiles» que relança todas as incertezas quanto à capacidade de viver com os outros que são diferentes.
3. Dos média mais antigos à internet supersónica, do telefone clássico ao equipamento pessoal omnipresente cada vez mais potente e pequeno, podemos acompanhar o mundo e entrar em todo o lado. Mas com que qualidade o fazemos? Como preservar a individualidade nesta (com)vivência? Ainda não sabemos avaliar todos os impactos deste novo mundo, mas que ele nos exige bem mais atenção lá isso é bem verdade.
O FIO DO TEMPO
Escutas e valor confiança
1. A última notícia sobre as desconfianças da justiça é reveladora do estado de sítio em termos da estrutura profunda da justiça. A proposta surpreendente vem de quem vem. Não foi um cidadão comum que a sugeriu mas a coordenadora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal. Procura-se combater o crime da violação do segredo de justiça com um generalizado e preocupante lançar de suspeita sobre o próprio sistema de justiça. Sentir-se razões para esta proposta faz tremer um país. Este ciclo fechado em que está tornada a “causa da justiça”, revelando incapacidades estruturais demonstra que se torna bem difícil descortinar o caminho da seguir.
2. O verniz parece estalado de vez. O bastonário dos advogados também vem defender escutas a polícias com a finalidade de combater o mesmo mal das fugas ao segredo de justiça. Caminhamos para uma generalização da escuta para tudo e para nada que vai tornar a vida social um preocupante big brother? Esta polémica instalada mostra a ponta do iceberg em que se corre o perigo da generalização da ideia de que não vale a pela lutar por uma sociedade de confiança. O futuro que é aberto por este “escutar” aos que governam o barco da justiça coloca diante do horizonte uma negra nuvem…
3. O valor “confiança” é um valor estrutural para a convivência em sociedade. Talvez as estruturas da sociedade andem sem os essenciais alicerces. Sem o aprofundamento dos valores humanos e da dignidade da pessoa humana, e das vantagens para todos no erguer a confiança como um pilar para haver futuro melhor, sem esta alavanca a “casa” não parece que tenha ordenança possível. Às referências penais propomos mais penalização e desconfiança até á exaustão? Com realismo, haverá futuro sem confiança?
O FIO DO TEMPO
Um país humanitário
1. A situação aflitiva da Madeira, que faz de todos nós madeirenses, a par da concomitância da candidatura de Fernando Nobre à presidência da República, os temporais que têm assolado também a nossa região com os consequentes estragos, parece que fazem parte do mesmo acontecimento temporal da visibilidade humanitária de um país que, mais que nunca, agradece e faz de todos “bombeiros” no socorro das aflições. Nestas ocorrências de tragédia, o realismo organizado puxa pelo melhor de todos, e na hora da urgência não pode haver separações de qualquer cor. Da aprendizagem destes tempos humanitários é importante o seu perdurar para que a memória não apague nem a consciência da pequenez humana diante da grandeza da natureza, nem a consciência de um nacional ordenamento do território que importa na generalidade repensar.
2. A hora é solidária, os outros que sofrem podemos ser sempre nós próprios. Também é momento de pensar, reflectir, interiorizar, fazer silêncio pela memória… Não é hora de “jogatana” política, da desejosa procura da atribuição da culpa, da intriga que manifesta a mesma pequenez do ser humano diante da gigante tempestade. O que seria “se”, e “se”… Quem não se lembra da tragédia da ponte de Entre-os-rios? Então, isso sim, do que depende de nós, vamos avaliar tudo preventivamente para tudo restaurar com eficácia antes que a casa “seja assaltada”. No depois das “trancas à porta” é sempre fácil discursar, dividir para reinar, distribuir responsabilidades por outrem, jogar conforme ao jeito e à circunstância. O que porventura falta às entidades formais no zelo da cultura preventiva não é diferente do que nos falta como pessoas informais diariamente.
3. E veio a candidatura do fundador presidente da AMI (Assistência Médica Internacional) à presidência da República. Alegre político reagiu a Nobre humanitário. Dois modelos de interpretação e acção diante da realidade. O nosso povo, humano e solidário, sempre será soberano!
O FIO DO TEMPO
A demissão climática
1. É notícia fresca a demissão do negociador chefe da ONU para o clima. O fracasso da Cimeira ambiental de Copenhaga de há dois meses trouxe para o cimo da mesa a verdade dura e crua da dificuldade em implementar a mudança. Yvo De Boer – destacam os que agora o vêm partir para novos desafios – fez um trabalho formidável na política global para a questão das alterações climáticas. A decisão foi «difícil», mas inadiável; De Boer, deixando o cargo a 1 de Julho, vai-se dedicar à outra face da luta pela questão ambiental global: a luta pelo lado educativo e empresarial. Defensor de soluções mais reais que as da lógica política dos princípios teóricos, passará a trabalhar com diversas universidades e deseja envolver empresas e comunidades nos projectos ambientais.
2. A Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, na pessoa de Eric Hall, manifesta a surpresa e estranheza pela notícia da decisão e reconhece-lhe o papel de liderança, apesar de tudo, nos progressos das negociações desta área tão decisiva quanto ao futuro. Yvo De Boer parte da instância suprema das Nações Unidas para trabalhar com o sector empresarial, o que mais polui… Desafio que faz descer os princípios às práticas no acompanhamento real e realista das problemáticas do ambiente. Fica no ar a pergunta sobre se foi a “frustração” da Cimeira de Copenhaga que o conduziu à demissão da responsabilidade assumida nas Nações Unidas.
3. Três ideias força, consideramos, haverá a reter: 1. A verdade da força da liberdade de quem luta pelas causas na sua raiz, nada o deixa prender aos “lugares” importantes; 2. A urgência da aposta educativa que norteará alguém que passou pela experiência das tensões e rejeições da grande Cimeira de Copenhaga, esta resultará em sabedoria que implementará visões e práticas inovadoras; 3. A certeza de que as questões climáticas, na sua urgência global, começam a entrar nesta gama de notícias e “transferências” ainda que elas na demissão mostrem o mau “estado da arte”. Talvez este “safanão” ajude à orientação de um futuro mais sustentável na prática (?)
O FIO DO TEMPO
Aprender a viver com a crítica
1. É natural que ninguém gosta de receber críticas, mas saber conviver com elas revela-se uma atitude de prova de maturidade e de consciência de que cada dia se está a aprender. O terceiro pilar do relatório da educação para o século XXI, «aprender a viver juntos» continua a ser uma meta a atingir que por este mundo fora insiste em fazer correr muita tinta e infelizmente, também, muito sangue. A imposição das ideias de uns sobre outros, a par do deixar-se “agarrar” à ilusão do poder das coisas ou dos lugares deste mundo, tem sido e continua a ser, um dos grandes entraves à saudável e necessária convivência humana, onde todos temos sempre tanto a aprender uns com os outros.
2. Também é verdade que determinadas responsabilidades são da ordem da confiança, da delegação, implicam a necessária coesão em que se torna bem mais difícil compatibilizar a posição da “diferença” com um pensamento de unidade no essencial. Mas é mesmo aqui que estará o segredo da vivência em sociedade democrática; ninguém tem a verdade absoluta, pois que esta é projecto comum; também ninguém tem o direito de viver continuamente de forma “criticista” pela negativa, como se não existissem valores nas propostas apresentadas por outros. Especialmente quando existem incompatibilidades entre a opção A e a opção B, vem ao cimo a necessidade de uma boa fundamentação, pensada clarificação, aberta transparência, a ordem da racionalidade como justificativo integral. Quando o reinar se vai fechando e de umas paras as outras existe falta de clareza e clarificação, é natural que comece a pairar a desconfiança não como excepção mas como a regra.
3. O Portugal a que chegámos é o país que todos cada dia construímos. A história de Portugal está cheia de momentos de inspiradas aberturas ao universalismo mas também de páginas fechadas às diversidades dos outros; momentos e regimes de forte expansão pluralista e outros que liquidaram os que pensavam diferente. Libertemos a crítica com autocrítica ao novo compromisso!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O FIO DO TEMPO
Dar vida positiva e tempo ao tempo
1. Após as festividades carnavalescas, embora este ano bem mais frias mas sempre com alguns excessos típicos da quadra, o convite a regressar ao rigor dos trabalhos alia-se à necessidade de desenvolver aquilo que são caminhos e horizontes de esperança. Como em todos os tempos, também neste não faltam motivos e motivações para o travão fazer tardar as boas novidades e o ressurgir de uma vida melhor, de um progresso mais justo, de vidas mais solidárias e mais felizes. Neste campo, até pela aprendizagem que a vida sempre ensina, teremos que desconstruir aquela ideia de que o pior é onde chegámos agora e de que se chegou ao beco sem saída. Quer à luz da história dos séculos, quer na vida pública da sociedade actual, é injusta essa consideração de que chegámos ao pior dos piores…
2. Sabe-se que uma coisa é viver com sentido e outra será o sobreviver. À sobrevivência pertencerá não só a luta mesmo que aflitiva pelo dia-a-dia como também uma desmotivação paralisante; à vivência com sentido cabe tudo o que são o vislumbrar das luzes no meio da escuridão, o captar a intuição do caminho a seguir, o perscrutar a oportunidade mesmo no cenário real da crise. Nos dias de hoje, mesmo e especialmente diante de todas as desmotivações que podem gerar muralhas de inércia, valerá a pena repetir um refrão bem alto: quem cultiva cada dia o sentido da vida é bem mais forte e mais capaz de persistir na confiança do que quem não dá o mínimo tempo nem tem lugar na vida para cultivar o jardim da sua existência.
3. A pior doença de todas está centralizada no Ser profundo; por isso diz-se que o sistema nervoso (da neurologia pessoal) anda afectado, agitado com os vários “stresses”: uns justificados pelo mundo em que vivemos, outros por motivos de várias ordem e mesmo alguns que bem poderiam ser evitados. Recomecemos por aqui, por aquilo que pode ser melhor e que depende de nós; existirão ecos de luz que brilharão na vida pessoal e social. Para alguns a Quaresma – um tempo de parar e reparar, dando tempo positivo e esperançoso ao tempo da vida – também quer ter estes efeitos de saúde existencial e comunitária.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O FIO DO TEMPO
Nas malhas da liberdade
1. O tecido social da comunidade só consegue fluir criativamente no princípio basilar da liberdade. Esta liberdade, em sociedade de democracia amadurecida, revela-se como o pilar estruturante que garante o exercício da pluralidade e da respeitosa tolerância. Conseguir conviver com a diferença de opinião, de ideia, crença, política, visão estratégica, eis os sinais claros de que a liberdade é nossa companhia constante e que esta preserva o exercício público de todos e o particular de cada um. No século XX, à medida que os poderes da comunicação foram crescendo, estes foram sendo um palco preferencial do exercício da opinião, conveniente quando vem a favor, inconveniente, quando a opinião não é favorável. Estamos a navegar em terrenos muito pantanosos, onde as fronteiras da liberdade devem coexistir com as da responsabilidade colectiva.
2. Não é preciso recuar muitas décadas de tempos idos para nos apercebermos dos poderes e contrapoderes que se combatem entre si, a ordem política e a comunicação social. A primeira usa a segunda na propaganda publicitária e anunciadora, mas quer silenciá-la nas horas denunciadoras do mau governo. O castelo de acontecimentos recentes no nosso país – que jamais se poderão silenciar – está num ponto de crescimento impensável. Já após o “alegadamente”, a rede do controle nos seus tentáculos sombrios terá atingido proporções que aprisionam a desejada liberdade de opinião, o mesmo é dizer, liberdade de existir em sociedade. “Nem ao mar, nem à serra”; sendo de pressupor todos os contraditórios e todas as justificações, a verdade é que nada poderá justificar um beliscar que seja a liberdade de informação.
3. O apocalíptico caso da “escutas” já não sabe se se consegue escutar a si próprio, cheio que está de tanto ruído que parece não só não ter fim, como vai-nos conduzindo ao precipício, atacando por todos os ângulos da questão as malhas da liberdade. Não se sabe e ninguém sabe o que fazer: é o pior. Pelo andar, são naturais os medos: estes, espelham a não liberdade? Há condições para continuar(mos)?
O FIO DO TEMPO
O fim do pessimismo
1. Percorre a seiva da opinião dominante nos principais meios de comunicação uma sensação de pessimismo que em nada conseguirá resgatar a vontade positiva para a vivência de cada dia. Ainda há dias a folhear um jornal de boa reputação, ao percorrer as páginas e as várias visões e opiniões, a conclusão a que se chega é que tudo parece negro, frio, negativo, feio, não havendo quase “ponta” social por onde se lhe pegue. O pessimismo partilhado pelas mais altas gerações, mesmo que com a dose de realismo justificada, tem efeitos nefastos nas mais novas gentes que estão a abrir os olhos para este mundo.
2. É verdade que jamais saberemos quantificar o impacto e o efeito negativo de toda a onda pessimista que se atrai a si própria podendo conduzir ao imobilismo de que já nada vale a pena fazer. Talvez entre tantas razões de pessimismo estará o facto da chamada sociedade dita de bem-estar a certa altura se ter atribuído a si própria seguranças acima das realidades e contingências; e se fossemos ver por esse mundo fora a verdade humana para além de nós mesmos, mudaríamos muito de opinião, sem que isto sirva de conformismo ao deixar estar como está ou então a dizer-se aquele refrão que como os males de outros se pode sempre bem…!
3. Por vezes alguns historiadores que percorrem os séculos do nosso país, lêem determinadas passagens do passado longínquo e parece que foram escrita para hoje. Uma torrente de pessimismos têm arrastado a memória colectiva que parece gerar o desconcertante diante do compromisso de todos os dias. Ar fresco e inspiração, precisa-se! A capacidade do positivo e da esperança, sem ocultar a realidade como ela é para a transformar, é um valor fundamental. Urge implementar a cultura do bem, das boas práticas, das boas acções, da promoção de tudo o que edifique… Antes que esse rasto do “péssimo” feche a esperança da mente dos mais novos…
O FIO DO TEMPO
E o tempo depois…?
1. Em todos os níveis daquilo que é uma vida intensa de trabalho, existe sempre um depois… O “depois” do jogo, da corrida, do exame, do labor árduo; o depois onde fica o verdadeiro sentir do que se aprendeu e do que se cresceu com a experiência de vida. Na medida em que o caminho é construído com um conjunto de valores e referências positivas, assim tanto mais o “depois” será o colher dos frutos da sementeira que se plantou. Mas valerá a pena debruçarmo-nos sobre o “dia seguinte” após longos dias de trabalho, a idade em que se entra na chamada reforma.
2. Há tanto de bom para fazer neste mundo que todas as idades e em todas as circunstâncias todos os corações disponíveis são convidados a colaborar para o bem da comunidade. Tudo porque se torna essencial dar valor e sentido positivo à vida e ao tempo da vida. O pior que poderá acontecer será ter tempo livre em excesso, não dar alma construtiva aos minutos e às horas, pois que até custa o passar do tempo quando ele não é válido para si e para outrem. Hoje, também neste novo contexto em que uma nova multidão de pessoas vão entrando na idade da reforma, existem um conjunto vasto de programas de voluntariado, de acções solidárias, de empenhos na construção do bem comum porque se lutou cada dia.
3. Mas, uma verdade é bem nítida: o “tempo depois” será tanto mais válido quanto mais no tempo antes e durante os anos fortes da vida a pessoa se abriu a dimensões sociais e comunitárias. Neste terreno a liberdade pessoal é o lugar definitivo onde se constrói o principal tesouro; por muito que a ajuda de outrem exista no despertar dessa abertura de espírito, a verdade é que esta não entra no campo das obrigações... Só há vantagens em irmos abrindo a nossa vida a novas dimensões comunitárias. Num tempo em que alarga o leque de pessoas que entram nesta nova fase da vida, valerá a pena ampliar esta compreensão global e mesmo estudá-la.
O FIO DO TEMPO
De um país à Humanidade
1. Na abertura do ciclo de Grandes Conferências da Fundação Calouste Gulbenkian esteve em Lisboa Tara Gandhi, neta de Mahatma Gandhi (1869-1948). Escutada atentamente, seduziu pelas suas meditadas palavras da paz pela não-violência. Destacou a “poluição da mente” que persiste, falou sobre a construção da democracia e o silêncio humano necessário como reflexão e meditação sobre a nossa condição sobre a terra. Portadora da herança de seu avô, ela destaca que o pior dos males do mundo não é o ódio mas sim o «medo»; é este, no seu dizer o contrário do amor.
2. Acolhermos o testemunho de quem vem da raiz da paz indiana é sensibilizante e quer mover ao compromisso histórico em viver os mesmos ideais. Interessante o universalismo da mensagem quando a neta diz que «Gandhi não pertence à Índia mas a toda a humanidade».
Diante do mundo onde os processos de vivência e decisão são hoje bem superiores à clássica ideia do Estado-Nação, a necessária consciência de pertença à comum humanidade sai reforçada e a democracia como “convivência” acaba por se transformar em alta responsabilidade global. É neste domínio que um país (como uma pessoa) que se fecha ao mundo fecha-se a si próprio. O contrário também.
3. Os medos e a chamada poluição da mente são os principais obstáculos ao destino humano comum. Ensinar e aprender a liberdade é missão que exige todos os contributos. Nenhuma área do conhecimento deve ficar de fora. Quando nos perguntamos sobre as principais “feridas” dos países que constituem a Humanidade também haveremos de procurar as principais soluções iluminadoras. Nestas, no dizer de Tara Gandhi, também a cultura e religião, a qual «é uma forma de nos unirmos aos outros, para descobrirmos mais sobre nós próprios». Eis uma chave do século XXI.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

O FIO DO TEMPO
A corrente do sistema
1. Há dias uma imagem aa televisão, vinda da China, impressionou quem se deixa impressionar. Era um pai que, tendo-lhe sido roubada a filha mais velha, pegou no filho mais novo, de seus três anos, e amarrou-o com uma corrente a qualquer coisa fixa, não lhe fosse acontecer o mesmo destino trágico. O pai partilhava o desespero da insegurança, mas com a naturalidade de quem já está habituado à desumanidade. Tudo acontece na China, sistema que se vai afirmando com importâncias na cena internacional, mas no retrato nacional sofre os abalos de tamanhas condições de indignidade. Dizem os números, que não se podem calar, que são na ordem das cem mil crianças ano raptadas para os vários tráficos (de órgãos, de crianças, de prostituição) que persistem na era da globalização.
2. E o mundo assiste a este rodopio de notícias, esta como tantas outras, em que correntes de sistemas aprisionam pessoas e nações. Uma lei perturbadora também reina nestes acorrentados: a de que alguns países entusiasmados em conquista de figurantes de primeira linha na cena internacional, nesse processo vistoso, crescem por dentro no doloroso caminho até lá chegar. São gerações de mártires deste género, na China como noutras paragens, em que à distância “tudo” o que podemos fazer é quase-nada, a não ser ter compaixão, sofrer com quem sofre e mas ampliar o leque dos que não se conformam. Se a comunicação do mundo actual nos aproxima do que antes era obscuro, a nossa correspondência haverá de ser libertadora de cada opressão.
3. Mas, ainda, o pior de tudo é matar à raiz uma nova vida. Se os adultos não se entendem e trocam galhardetes ente si, tenham na sua capacidade de resposta adulta os argumentos com que se defender. Mas aquela(s) criança(s) chinesa(s), vítima(s) do sistema e das correntes que ao mesmo tempo aprisionam mas que garantem a perturbadora segurança… essa criança no seu olhar deixa-nos a pensar que mundo violento os grandes deixam aos mais pequenos. E depois, eles serão o que hoje formos…? Esperemos que não!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O FIO DO TEMPO
O verniz e o cinto…
1. Chegámos a um momento muito difícil. Sente-se o verniz a estalar e continua certa a garantia do apertar do cinto. Quem viveu períodos como este (e mesmo quem não viveu) sente que o futuro tem um reforço de incertezas como já não se sentia há muito tempo… O caso da lei das finanças regionais e todo o xadrez de pressões, intenções primeiras, segundas e terceiras; a crise social instalada, o aumento transversal da precariedade, as pessoas do desemprego histórico, a criminalidade e insegurança que se confirma cada vez mais diária; a nossa comparação com a Grécia e a galopante não credibilidade externa; a escassez de horizontes políticos que enfermam um diálogo que todos reclamam mas que “todos” falham; a sensação de que a liberdade de opinião se sente ameaçada com sucessivos casos de “alegadas” pressões e de “problemas” a serem resolvidos…
2. Um criticismo sistemático dos males que nos atormentam que impedem de ver uma luz em céu aberto; a ideia de que se formos mesmo perguntar o que os portugueses pensam sobre «saúde, cultura, educação, justiça, história, rigor, método, empreendedorismo, política», diante destas e de outras tantas outras ideias estimulantes ou áreas sociais essenciais a sensação de que entre a indiferença ou o dizer mal é o pântano generalizado preferencial; a verdade de que apatia e descompromisso atraem a desmotivação, ambiente este que conduz a novas multidões de emigração diante de um país truncado (porque o truncámos!?); a noção de que carecemos: 1º, da autocrítica de revisão em ordem ao progresso diário e 2º, da nobre responsabilidade de cada um para se assumir todas as consequências, preferindo-se a vitimização preguiçosa ou a desculpabilização.
3. Claro que tudo o que apresentamos acima não é nada de novo, nem nada de verdade; ou outras vezes é tudo de verdade e ainda será pior; de extremos e de verniz estalado e de cinto apertado. Tudo simbólico o que escrevemos; só uma verdade: os habitantes de um país são os que o constroem; o mal que se publicita volta ao ponto de partida, sendo perca de tempo. Mas, efectivamente, diante de tantas crises, o que o país menos precisava era do que se vê; excepto aquela sugestão de baixar até ao “valor X” as grandes reformas e os irrazoáveis salários “pagos” pelos cintos apertados. E esta!?

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O FIO DO TEMPO
O fenómeno Avatar
1. Ninguém duvida da força do mundo da imagem, dos impérios dos cinemas, do quanto eles reflectem, de um modo ou de outro, a realidade do mundo que vivemos; os seus bens ou os seus males, as suas angústias e aspirações. É uma multidão de actores imortalizados, e é um mundo que acompanha continuamente os desenvolvimentos da sétima arte, o cinema. As mais famosas películas cinematográficas são espelho de culturas e crenças, retratam momentos históricos decisivos, partilham mundialmente as mais belas paisagens; abrem-nos ao mundo do imaginário, digital, ficção, fazendo-nos ver o invisível. Mas também o cinema reflecte a violência que vai nos corações, a inveja e a corrupção que persiste, podendo quase ser uma sedutora escola de crime.
2. Quanto ao mundo do cinema, dir-se-á, nem o elogio nem o desprestígio; mas todo o cuidado, atenção e zelo em termos da inevitável impressão que a imagem grava do olho e na mente humana. Há filmes que apelam ao melhor e ao pior; cenários humanos que fascinam e outros que são tremendos. Tem vindo a crescer o uso da violência para cativar, como o mundo místico para envolver. Há realizadores históricos que têm gerado autênticos fenómenos de bilheteiras, que antecipam o mundo futuro. É obrigatório falar de Cameron, o realizador dos vários recordes. Após o filme Titanic (1997) James Cameron, após muitos anos de preparação, lança o seu último filme recordista, superando-se a si próprio. AVATAR é a nova história proposta que ilude, pelo divino, quem mergulha no mundo distante Pandora.
3. Mas o que se passa nesse imaginário mundo Pandora? Diz quem vê o filme criticamente que ele provoca sentimentos perigosos em termos existenciais e muito influenciadores para quem não está preparado. Por estranho que pareça, nos EUA a idade mínima está acima dos 10 anos; em Portugal, 6 anos foi considerada a idade ajustada. Preocupante? Diante de tal “poder”, força e fascínio do imaginário, todos os cuidados e atenções são sempre poucos…

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O FIO DO TEMPO
Muito mais que cidadania…
1. Na data histórica de 31 de Janeiro, no Porto, deu-se início às comemorações do Centenário da República Portuguesa. Começaram, neste contexto histórico, a ser partilhadas muitas mensagens repletas de história e muitas entrevistas a personalidades do mundo da política e da cultura. Também aquelas perguntas breves de rua (sobre acontecimentos relacionados com a instauração da república e personalidades situadas nessa época complexa) manifestam grande desconhecimento da nossa história nacional, ou então um enviesamento menos saudável no que à história diz respeito. Um vasto conjunto de “refrães” enaltecedores da ideologia republicana está no ar; aquilo que é uma oportunidade cívica não se pode asfixiar em visões limitadas e circunscritas a ideias fechadas.
2. Um dos traços comuns do lançamento das comemorações é a necessidade de espevitar a intervenção cívica para aquilo que são as realidades e os problemas da sociedade em geral, e o tempo e o modo como a actividade política enobrece o compromisso público e particular com o bem comum. Das palavras mais ditas como apelo é a palavra «cidadania». Indo ao dicionário, cidadania no espírito da república pode-nos orientar mais para a noção de “cidade” que de “humanidade”. Poderíamos dizer, com as devidas limitações de todas as comparações, que a república cidadânica, inspirada na Revolução Francesa (1789), nascendo em contraposição e reacção ao modelo anterior (mais assente no “campo” que na cidade), aponta o caminho da exaltação mais de direitos de cidadania que de direitos humanos.
3. Se a república é o actual modelo de governança, este também precisa – à semelhança de outros modelos ao longo dos tempos – de ser confrontado para se ir purificando. A República nasceu com Platão, a comunidade ideal onde a todos é garantido o essencial; as repúblicas actuais, no “dia seguinte” à sua instauração, precisam de alerta contínuo para não caírem nos males que denunciaram no regime anterior. É bom sentir que só «cidadania» é muito pouco e que o «ser humano» é que é tudo! Ou seja: relativizar a ideologia, ela depende da sua prática.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
Auschwitz, a dor da memória
1. Celebra-se 65 anos do momento da abertura libertadora das portas do holocausto. A 27 de Janeiro de 1945 o mundo acordou para a confirmação do mais horrendo atentado contra a natureza humana. Quem visita Auschwitz – um milhão de visitantes por ano – faz silêncio e medita na condição humana. Nestes dias, aquelas imagens a preto-e-branco que parecem remontar a séculos atrás, fazem-nos sentir que não foi assim tão longe no tempo nem no espaço. 65 anos foi “ontem”, e foi “aqui perto”, que o inqualificável crime contra a humanidade foi meticulosamente planeado; a médio prazo num nacionalismo de um povo, a curto prazo numa “solução final” aplicada silenciosamente para quem “o trabalho liberta” (esta a frase de acolhimento à entrada do campo).
2. Jamais, como dizia uma historiadora nestes dias, compreenderemos a envolvência do que se passou, o sentir profundo do mártires e mesmo dos executantes e os gritos já sem voz da indignidade praticada em pessoas como nós, de carne e osso. Auschwitz apela em nós a profunda meditação e a necessidade sempre urgente de não apagar a memória para que ninguém esqueça… Os campos de concentração fazem parte do património comum da humanidade, mas de que humanidade? Da desumanidade para que a humanidade cresça e medite nas dores desta memória construída no centro do ocidente. Recordo de uma entrevista de um antigo militante da Al-Qaeda; ele lembrou que a pior dor humana continua a estar no holocausto criado pelas ideologias ocidentais.
3. Um pensamento de tanto que tem sido dito e que nos ficou é que «o holocausto é o lado mais negro da alma europeia». Não apagar a memória, mas meditar nas suas dores como aprendizagem, é um lema bom para o desenvolvimento justo dos povos. Mas persiste um hiato na comunicação mundial actual, mensagens tão sérias e iluminadoras que não passam; ilusões e ideologias extremistas que parecem ressurgir… Porquê?!

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
A força educativa do desporto
1. Está em fase final o campeonato africano de nações, a decorrer em Angola. Após o atentado inicial em Cabinda contra a selecção do Togo, o jogo passou a ser jogado dentro do campo de futebol. A este caso contra a selecção do Togo podem-se juntar tantos outros onde o desporto é usado para outras finalidades nada desportivas. Pelas multidões que se juntam, pela representatividade dos países e, por isso, pela força sócio-política que o desporto tem, ele é usado desmedidamente como bandeira ora de orgulho nacional, ora de combate intolerante. Não passam muitas décadas em que no centro da própria Europa as modalidades dos jogos olímpicos ou os campeonatos de futebol, quando havia paz e segurança para se realizarem, esses torneios espelhavam bem as lutas “frias” entre os países em jogo.
2. A história está toda unida, uns acontecimentos inter-cruzam-se com outros; a história das grandes manifestações desportivas inscreve-se na mesma história ou de passos de desenvolvimento humano ou de recuo intolerante de uns para com os outros. Hoje, em cada mega iniciativa desportiva, ao mesmo tempo todos os países (ou mesmo em parceria) o querem, e quando organizam o batalhão de segurança bate recordes de ano para ano…não vá o atentado atingir um estádio ou uma prova. Sabe-se que na antiguidade, quando dos jogos olímpicos, a guerra “parava” para essa realização cultural; reza a história do século XX que os jogos é que pararam para deixar passar e acabar a mísera guerra. Os acontecimentos desportivos não deixam ninguém indiferente; quem dera que sejam sempre vividos no chamado “fair play”, dos bastidores ao espaço público!
3. Numa entrevista recente o alemão Wilfried Lemke, assessor da ONU para o Desporto ao Serviço do Desenvolvimento disse que «o desporto pode fazer bons vizinhos». Da recente vivência do jogo solidário para com o Haiti, ele testemunha como, lá longe, as crianças e jovens se juntam «para jogar em Israel e na Palestina». Urgentes, estes sejam os jogos onde todos saem vencedores para um futuro de segurança e paz!

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
A sorte também se constrói
1. Poderão existir determinadas situações em que se pense que só os outros é que têm sorte e que o próprio não… Essa ideia das sortes ou dos azares parece-nos reflectir uma visão menos correcta daquilo que são as referências de compromisso que haverão de presidir os caminho diário. Diz um pensamento que «a sorte protege os audazes», e pode-se acrescentar que a sorte é amiga da atenção zelosa e persistente e inimiga do descuido e do desleixo. O ditado que diz que «quem semeia ventos colhe tempestades» também ajuda a compreender a necessidade de sempre e cada dia, nem que custe (será o que lustra!), viver e semear os grandes valores assentes na bondade, no estímulo à dignidade e ética, no apego constante à responsabilidade de ser e fazer em cada momento o melhor possível.
2. Como alguém disse, na hora da tragédia de nada vale “rezar” mundos e fundos na turbulenta viagem da estrada se não se descansou o mínimo suficiente para se ter lucidez ou se a pessoa está alcoolizada e incapaz de corresponder às solicitações de constantes e novas situações. Essa ideia de que o “mágico”, o “deus SOS”, o “bombeiro divino”, viria socorrer instantaneamente é uma das grandes falsidades que importa purificar. A desculpabilização do que deve ser a responsabilidade humana para o mágico que substituiria o zelo devido é sinal da imaturidade existencial; é a mesma coisa que passar a vida a semear tempestades e depois pensar-se que se tem direito às bonanças!
3. É por isso que nada fora de cada um de nós fará o que cada um terá de fazer; é por isso que na medida em que se procura viver a responsabilidade constante, esta como que abre as portas ao surpreendente positivo que amplia os índices de motivação… A vida é constante semente que se lança e, simultaneamente, constante colheita. A arte da coerência ética e da persistência serão dos valores estruturantes que, não a curto mas a médio e longo prazo, darão créditos positivos. A chamada “falta de sorte” como fatalismo, não é outra coisa senão a falta de se conhecer e reconhecer a si mesmo.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
Ecumenismo e integrismos
1. Se formos elaborar um estudo exaustivo, mesmo que numa análise do campo exterior, a origem das religiões revela-se sempre imensa de ser universalista e totalizante, dador de sentido à existência de cada um e de todos. Nessa análise, na generalidade, detectar-se-ia uma frescura de interiorização e universalização capaz da inclusão das múltiplas diversidades e visões. Com o crescer e com o necessário realismo, como é natural, vem a procura de regulação e enquadramento, um estabelecer de balizas de ideias e de compreensões práticas, facto que, a partir de uma determinada racionalidade (porventura codificada), pode levar a excluir as diferenças, fazendo crescer a dura e crua semente do integrismo, fanatismo, fundamentalismo.
2. Nestes domínios, a aprendizagem da razoabilidade e das aceitações da pluralidade afigura-se como um dos maiores desafios postos ao século XXI. Nem tudo, nem nada! Tanto os perigos do igualitarismo de “todos iguais”, como os males do exacerbar de “todos diferentes”, podem conduzir a fugir para a periferia extremista, quando o caminho do “meio” é o ideal mais pleno e capaz na “unidade plural”. Utopias simpáticas da unidade de todos sermos iguais (anulando as diferenças) existem em todos os quadrantes, tal como aquele integrismo de quem tem “a verdade” (excluindo o outro) também existe em todos os campos e em todas as religiões. Valerá a pena perguntarmo-nos: que “códigos” são aqueles que (1º) se enxertam na frescura fundante da religião “x” ou “y” (2º), mas em que depois perderam o próprio espírito continuamente renovado para com cada actualidade…(?)
3. É pela estrada do “diálogo” que se consegue a unidade ecuménica (vivemos a Semana Ecuménica). Mas é pela autenticidade despojada e generosa do diálogo que é possível antecipar o futuro. Diálogo que não é perca de identidade, diálogo que não é abdicação do pensar, diálogo que integra a plenitude do que se pensa e se age numa mesa comum, onde se dá e se recebe. No integrismo ou no igualitarismo não há diálogo. Unidade ecuménica? É possível sempre mais frutos…

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
A ilusão e gestão das expectativas
1. Faz um ano (20 de Janeiro) que Barack Obama tomou posse como presidente dos Estados Unidos. No mundo das emoções, grandes expectativas podem conduzir a grandes desilusões. Após um ano de sua eleição e depois de um inédito estado de graça, Obama tem neste momento a popularidade em baixa, ou pelo menos não em tão alta. Como se sabe, das emoções sociais – um sintetizador de opinião sempre na ténue fronteira da sensibilidade – espera-se o melhor e o pior; mas a verdade é que Obama, crescendo acima de si próprio tornando-se mito quer pela sua eleição inédita de afro-americano quer envolto de uma nuvem clarividente de esperança inabalável, Obama continua a ter “razão”. Talvez tenha havido, e continua a haver, um problema de comunicação e de responsabilidade. O slogan «yes we can» está construído na primeira pessoa do plural, facto que não personaliza nele próprio o centro de referência.
2. Talvez o “mal” de Obama não tenha estado nele próprio, mas no que dele todos, sedentos de um farol de referência, projectaram. Mesmo quando o presidente insiste na «Era da Responsabilidade» de forma colectiva, pede-se-lhe bem mais do que um líder pode dar. Embora na capitalização da candidatura ou na imagem da eleição bem gerida da obamania, o certo é que Obama está a ser fiel ao próprio desígnio que apontou: «o caminho vai ser longo», esta a frase por ele muito repetida mas que os ouvidos práticos carentes de respostas para «hoje» não compreendem. O Nobel da Paz viu-se transfigurado, sendo atribuído não por realizações mas por ideais apontados; os seus discursos de multidões famintas de esperança no «atoleiro do Iraque» ficarão para a história como pólo motivador que, após o 11 de Setembro de 2001, abre a janela da Esperança ao século XXI.
3. O que pode fazer um homem sozinho? O paradigma da responsabilidade partilhada é o seu ideal sócio político; acerca do que fez, faz ou fará, não se esteja continuamente nesta asfixia descomprometida da espera de um milagre, de que um resolve os problemas de todos. Obama não é deus nem pode nunca ser endeusado. A esperança comprometida com a história é o seu lema em gestão…

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
Todos humanos e humanitários
1. Os acontecimentos recentes do Haiti, a par de outros do género onde a condição humana é fortemente interpelada, continua a fazer-nos relançar algumas questões fundamentais. Quantas vezes observamos que em situações trágicas as fronteiras são abertas à solicitude dos “outros”, ou as próprias linhas políticas são relativizadas, pois que socorrer os que mais precisam, sejam eles “quem” forem, afirma-se como o pilar essencial de acção. Mas depois, passado o limpar das águas ou o apagar do fogo parece que tudo volta ao passado de fronteiras fechadas, de relações sociais frias, sofrendo um forte apagão toda a frescura solidária que a urgência faz despertar nos primeiros tempos.
2. Onde pára a memória de situações trágicas no que elas podem ter de aprendizagem social, local e global? Quando se conseguirá integrar, mesmo nas escolas a partir das tenras idades, toda uma «educação humanitária» para se dar valor ao que se tem, ao que se come e se bebe, também de modo a não estragar, a rentabilizar, a reconhecer e agradecer? A sensação de que tantas vezes se está sempre a começar ou que há tanto de desperdício vivo na sociedade de consumo, faz compreender que a mensagem das tragédias humanitárias não passa o seu eco de sobriedade para quem tem pão de cada dia em abundância. A necessidade de pensar a partir da “praxis” (prática) é um imperativo do mundo global, onde a todo o momento todas as imagens e mensagens estão nas redes sociais da comunicação.
3. Todo um potencial humanitário através de organizações governamentais ou não é activado nas horas mais difíceis, com maior ou menor eficácia procura-se socorrer com todos os meios possíveis, mas, e depois da tragédia? Do que continuamente observamos e da análise mesmo que superficial pelo conteúdo dos chamados sistemas de educação (formal ou informal), perder-se continuamente um potencial educativo a partir da realidade, pois que este não é transferido para “os livros”, não desce ao campo dos saberes, não é ensinado para aprender. E quão importante seria para não se estar sempre no início!...

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
Haiti, os milagres da tragédia
1. O Haiti é o novo centro do mundo. Desde o dia em que a terra tremeu (12 de Janeiro 2010) uma multiplicidade de acções vão-se estendendo pelo mundo inteiro no sentido da necessária ajuda ao povo haitiano. As contagens revelam o lado frio do acontecimento (cerca de 200 mil mortos?), mas o acontecimento trágico, tal como a dor e o sentimento, é sempre individual. Existem as descrições horrendas características do pior que a desumanidade pode sofrer, mas existem histórias de milagres de algumas vidas salvas em plena tragédia. As desgraças trazem consigo sempre também o lado do surpreendente e da valorização de cada vida salva, de cada gesto solidário, de cada momento bom.
2. Como em outros acontecimentos de tragédias naturais de anos recentes, a par de uma onda solidária que cresce, também a cada dia que passa nestes primeiros tempos amplia-se o caos e mesmo a insegurança onde todos lutam pela sobrevivência, denotando-se que é nesta hora da verdade que as instituições e organizações conseguem no meio de tudo gerir o caótico, porque o futuro quer recomeçar em cada gesto. Dos 80% das construções destruídas da capital Porto Príncipe, que levaram consigo uma multidão de gente, ficam sempre lições de que os males que acontecem aos que partem podem gerar novas aproximações entre os vivos, no sentido do clarividente e sábio discernimento entre o que é efectivamente o essencial da vida.
3. As Nações Unidas consideram que este sismo é o pior desastre enfrentado pela organização e o presidente Obama vem dizer que «o povo haitiano não seria esquecido», orientando o pensamento no sentido da comunidade internacional ser capaz de reflectir sobre a «responsabilidade dos países que exploraram e abandonaram o Haiti». Como dizia Einstein, nas grandes crises vêm as grandes afirmações que sintetizam tudo. O Haiti existe em tantos povos do planeta onde se espera que não exista a tragédia para vir o ansiado milagre da autêntica e contínua solidariedade.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
Os telemóveis que mais vendem
1. Somos um país especial em muitas matérias. Uma delas, de ano para ano, vai-se relevando como caracterizador da nossa identidade, porque dos nossos hábitos diários. As opções mais simples do dia-a-dia, repetidas continuamente, constituem-nos na nossa forma de agir e por isso de ser. Já há alguns anos se dizia que pelas quadras festivas de fim de ano éramos um país comparado ao Canadá no envio de mensagens de telemóvel. Agora em plena crise económico-social confirma-se o bater de todos os recordes de movimentações financeiras nos dias anteriores ao Natal a que se juntam as habituais salas de espectáculo esgotadas da comemoração de fim de ano. Factos são factos! Nada a destacar quando o essencial está assegurado e a sobriedade de vida se alia a alguns tempos fortes de convívio festivo; mas tudo a interpelar em termos de hábitos de consumo quando a tipologia do “crédito para férias” passou a ser uma rotina desorganizadora da renda mensal.
2. Formar para a autonomia saudável, onde se sabe discernir entre o essencial de que precisamos e o acessório de que com facilidade podemos prescindir é hoje uma missão nacional. Quando os dados estatísticos vão continuamente confirmando que o endividamento das famílias portuguesas cresce descontroladamente mas que os apartamentos mais caros são vendidos mais cedo, o mesmo ocorrendo com os telemóveis mais sofisticados e electrodomésticos mais dispendiosos, esta realidade, tanto pode confirmar uma crise profunda da classe média na desigualdade crescente como nos desperta para a necessária educação para o consumo, o mesmo será dizer, a formação para a felicidade. As coisas compradas para comprar as relações humanas ou a própria felicidade e o sentido de viver são a maior “contra-informação” que diariamente se publicita sem cessar.
3. Se estes factos confirmam que temos bom sentido de adaptação a novas situações como a integração na dita sociedade tecnológica, que bom seria que essas aptidões fossem aplicadas ao serviço de ca(u)sas organizadas onde no dia de hoje se planeia o dia de amanhã. A urgência de pensar a médio e longo prazo, até neste campo é fundamental, quanto mais no essencial da razão de viver!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
O teólogo Eduardo Schillebeecks
1. Os teólogos são os que reflectem e escrevem a teologia, não de modo superficial mas sempre aliando a razão lógica com a projecção de toda a esperança (fé). A noção de teologia (theos = Deus + logos = palavra, estudo) contém o próprio referencial de investigação, o que é característico de todos os campos de conhecimento. O termo teologia foi usado pela primeira vez por Platão no diálogo A República, pretendendo referir-se à necessária compreensão da natureza divina de forma racional. Atravessando os séculos, os estudos de filosofia e teologia representam, através dos grandes autores estruturantes da cultura da humanidade e, para nós, da visão humanista ocidental, a aventura humana do diálogo aberto ao infinito, não numa visão museológica presa no passado mas no olhar dinâmico estabelecendo pontes com a contemporaneidade.
2. A segunda metade do século XX viveu profundas transformações de foro social e eclesial. O crescer dos domínios das comunicações e o emergir de várias revoluções sociais também geraram impulsos de profundas transformações nas instituições políticas, sociais, culturais e religiosas. Um dos acontecimentos maiores terá sido o Concílio Ecuménico Vaticano II (1962-1965). Momento dialogal universal inspirado com grandes personalidades na procura sincera de trazer para o tempo presente os tesouros intemporais da boa mensagem. Faleceu há semanas, a 23 de Dezembro, um dos grandes protagonistas da renovação do referido Concílio, Eduardo Schillebeecks, um dos maiores teólogos do século XX. No tempo da abertura à globalização, este autor de obra monumental (a par de alguns outros) soube gerar terreno fértil e saudável à recepção esperançada da nova ordem global.
3. Schillebeecks, tendo sido alvo em 1968 de um processo da Congregação para a Doutrina da Fé devido à sua visão aberta sobre a secularização, assumiu na seriedade a intuição profética e persistente daquilo que era o horizonte futuro do pluralismo teológico e do diálogo positivo com a sociedade global. Ecos da coragem procuradora da Verdade.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
Enraizamentos e sentido da vida
1. Sempre o fascínio das mobilidades seduziu o ser humano. Quem não gosta de viajar, percorrer caminhos, conhecer mundos e paisagens, contactar com gentes de todas as paragens, no geral todos participam deste gosto andante, errante e mesmo peregrino. Da condição humana e da sua realização plena fazem parte esta vontade aventureira e viajante ou então mesmo a dimensão migrante, de quem procura noutras paragens uma vida melhor. É neste roteiro humano andante que se inscrevem quer as mobilidades académicas quer a dimensão peregrina que é constitutiva do programa teológico das grandes religiões. Mas, no meio de todas as caminhadas, é importante ter um pouso, um porto de abrigo, um aconchego, um sentir-se em casa.
2. O misterioso e decisivo sentido da vida, que não depende da matéria biológica nem dos bens patrimoniais que se tem, participa tanto da dimensão procuradora itinerante como da necessidade da serena estabilidade. Tal como a árvore precisa da raiz para ter segurança e equilíbrio, assim também a vida humana sem essa base enraizada pode cair, secar, asfixiar. Escrevia há dias o reconhecido pensador e ensaísta, Eduardo Lourenço que «precisamos de uma raiz, um enraizamento que nos apague a perplexidade e angústia de estar num mundo absolutamente indecifrável.» A vontade de decifração do mundo já manifesta esse desígnio da estabilidade e das raízes a que nos agarrarmos para não cairmos. Valores acima do que tem valor físico, que se erguem como alavanca capaz de dar sentido.
3. É também aos seduzidos do novo mundo tecno-virtual, às novas redes sociais das comunicações, às mobilidades humanas no mundo em viagem contínua de transformação de paradigmas que a mensagem de Lourenço aconselha a sabedoria de criar raízes. As pressas do mundo de hoje podem limitar esta experiência, o que deixa as suas sementes de vazios, solidões, apagamentos da memória histórico-cultural… Este será depois o cenário da angústia e do indecifrável. Há que criar raízes para o evitar!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
O não-referendo em Ano da República
1. Lá mais para meados deste ano, como que em preparação próxima para a comemoração do centenário da República, certamente que se vai dos vários modos, ouvir muito falar de «ética republicana». Este um refrão que foi crescendo e que poderá simbolizar o que de melhor pode, ainda assim, atingir o modelo político vigente. Pelos percursos da história das ideias e da ciência política poderíamos retratar tanto o desenvolvimento das éticas nestes terrenos como, no caso da absoluta isenção, os “enganos” matreiros das próprias repúblicas. Tem-se falado de que este ano pode ser uma oportunidade de esclarecimento cívico, de aprofundamento da consciência política colectiva, da necessária revisão isenta daquilo que é a história que nos precede para que os dias de amanhã consigam sempre mais e melhor…
2. Absolutizar qualquer sistema político poderá ser bem perigoso, o século XX regista essas memórias. Compreender os caminhos andados leva-nos a aceitar que a república e a democracia são o meio possível para a finalidade da sã convivência humana, esta sim a meta a atingir. Como dizia o livre padre António Vieira, quando vezes o «torcer das leis», o manusear em interesse próprio e sectário, o manobrar com outras finalidades que não a verdade clara e o bem comum, atrapalham e enganam aquilo que é a própria ética proclamada. A democracia do “só quando dá jeito” atraiçoa a autenticidade da expressão do pensar comunitário e afasta as gentes da essencial ligação aos que lideram o barco comum. Denuncia-se que é preocupante a indiferença política, mas fecham-se portas de debate aberto e promotor de consciências cívicas mais (re)conhecedoras.
3. A primeira medida política do actual executivo e a primeira medida que abriu o ano do centenário da república não auguram nada de bom. Mesmo sem falar no conteúdo (republicano) de uma “igualdade” não reflectida, para tudo e para nada, a verdade é que a apressada fuga ao referendo espelha bem o que se quer ou não se quer fazer da ética republicana e da própria democracia. Vale a pena pensar…?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O FIO DO TEMPO
O pior dos sinais
1. Na revista alemã Der Spiegel (19 Dezembro) o filho do líder da oposição ao actual presidente do Irão desapareceu. Esta situação incerta de Mir Hussein Moussavi faz parte de todo este “barril” de tragédia de uma das zonas mais inseguras do planeta. Diz nessa entrevista o filho do líder oposicionista que o seu pai está pronto para o «martírio» e que o caso dessa dolorosa consumação pode gerar «consequências catastróficas». As primeiras horas do ano além de notícias festivas deram-nos ecos de violências enraizadas em fundamentalismos de tensão incalculável. Quando da grande manifestação chamada «Ashura», onde três milhões de muçulmanos enchem as ruas da cidade santa Kerbala a celebrarem com autoflagelação, tambores e sangue, a principal cerimónia xiita (que canta em nome do martírio de Husssein no ano 680, neto de Maomé), criou-se o cenário favorável para a manifestação da oposição ao líder iraniano.
2. A manifestação tem por razão a suspeita da fraude eleitoral na reeleição a 12 de Junho do presidente do Irão. O chefe do poder judiciário iraniano, chamando de «arruaceiros» à oposição, prometeu «julgamentos rápidos e contundentes» aos responsáveis pelos distúrbios que perturbaram as festas e querem ferir o “normal” funcionamento da república islâmica. Dos acontecimentos, centenas de presos e muitos mortos, como o normal no meio de toda a (respeitosamente, mas) anormalidade intolerante, onde o difícil será chegar à raiz, à origem, à fonte primeira do fanatismo que não respeita as diferenças do outro, este um dos problemas fulcrais que o século XXI, a bem ou a mal, terá de resolver. A notícia mais recente diz que os julgamentos estão para breve. Retemos na memória as cruas palavras do líder religioso do Irão que há alguns dias sublinhou que os protestos do dia sagrado da Ashura merecem a acusação de «mohareb» (inimigos de Deus), crime que a jurisprudência iraniana castiga com a morte.
3. Quando chegará ao fim o rastilho intolerante? Que se diga bem alto, Deus não tem nada a ver com o campo de batalha. Quando o deixa o interesse humano que Ele “saia” daí?
O FIO DO TEMPO
Inovação e Humanismo
1. Há dias a notícia do último equipamento da mais alta definição de tecnologia da multinacional Google, em dinâmica de constante concorrência com a Apple, podem fazer-nos lembrar as antigas batalhas medievais, estas agora transferidas para os campos da forte inovação de ponta ou mesmo também para o campo de futebol, onde todas as grande cidades gostam de ter os seus grandes clubes representativos. Do mal, o menos; seja a tecnologia inovadora a conquista mais aspirada! Mas as regras deste jogo sedutor e concorrencial precisam de ser continuamente apuradas, quando não os novos instrumentos produzidos estão acima e fora da saudável realidade regulável e mesmo fora de patamares humanos.
2. Neste sentido, vale a pena colocar como grande lema as noções de inovação e Humanismo, como quem sabe que uma sem a outra pode deitar a perder uma e outra. Seja sublinhado que as maravilhosas e essenciais conquistas tecnológicas não são um fim em si mesmas, e se as considerarmos como tal, a certa altura somos dominados e mesmo surpreendidos por elas. Que dizer e como contextualizar toda a inédita proximidade da Humanidade, onde a todo o momento poderemos estar em contacto com gente de toda a parte? Esta nova forma de o mundo viver um tempo global, proporcionada através dos novos mil e um instrumentos, pode ser o “país das maravilhas” e pode ser causa de grandes dramas. Uma preparação para a coexistência com as diferenças de culturas, credos, etnias…continua por fazer.
3. A tecnologia aproxima-nos, e depois de aproximados? Nos dias de início de ano faz-se balanço da 1ª década do século XXI e efectua-se um relançar de metas para a segunda década. A fascinante velocidade dos acontecimentos na actualidade pode deitar a perder oportunidades se por trás da aproximação global não dermos o justo tempo a conhecer e apreciar a riqueza da Humanidade e da natureza que nos envolve. A isto chama-se o (re)despertar da estruturante questão antropológica: sobre o lugar do «ser humano» num mundo cheio de coisas.
O FIO DO TEMPO
Os pés da torre Califa
1. Sabe-se do desejo humano da altitude. Este facto, despertado na antiguidade a partir da observação das aves do céu, na época actual projecta-se até à capacidade de colocar alta tecnologia nos ares, vencendo barreira(s) do som numa contínua busca de superação. Estando provado que quase não há impossíveis em termos de elaborações tecnológicas a verdade é que diante da poderosa força da natureza, tudo pode ficar tão pequeno e tão limitado. Também é certo que muitos dos grandes avanços no conhecimento científico e técnico foram conseguidos através de grandes riscos e mesmo grandes acidentes. Talvez o pior de tudo seja, nestes domínios, a afirmação exacerbada da autonomia humana, como se o homem inventasse o seu novo “deus” e vivesse a ilusão desse absoluto imbatível.
2. Poder-se-ão apresentar, nesta matéria e a simples título de exemplo, alguns momentos como o caso do imbatível (mas submerso) Titanic em 1912, a clonada (mas já adulta) ovelha Doly em 1996, o famoso e insuperável (mas já encostado) Concorde, ou ainda o novo super acelerador de partículas CERN que, indo desvendar em 2008 o mistério das origens da vida, no momento do arranque não aguentou a pressão dos olhares do mundo! Não faltam exemplos em que no arriscar e na hiper-afirmação ilusória do valor absoluto do próprio conhecimento humano, “depois” vem a devida maturação e justa correcção do que se pensava ser a última novidade insuperável. Afinal, esta dinâmica dialéctica é uma marca dessa aspiração às alturas, mas será essencial que, na base de todos os diálogos, os pés estejam na terra!
3. O Dubai – um oásis fora do mundo! – vive uma impressionante crise financeira. Neste dia 4 de Janeiro inaugurou a torre mais alta do mundo. No contraste, poder-se-á dizer que mostra tanta altitude (828 metros) quanta desigualdade das gentes que já compraram o seu espaço dourado nessa torre Califa em relação à pobre multidão global... Se altitude é sinal de poder ele aí está; mas os pés, embora afogados em petróleo, parecem bem mais de barro… Ou não será?!
O FIO DO TEMPO
Expectativas e razões para 2010
1. Passadas as festas e entrados no ano 2010 que estamos, valerá a pena perguntarmo-nos sobre o que esperar para o novo ano. No auscultar das expectativas a esperança é o lema obrigatório, também porque habita no coração humano esse desejo de perfeição, do melhor possível, do desenvolvimento continuado. Mas dando margem às razões, a fasquia recebe um safanão a ponto de descer rapidamente. Todavia, não faltando argumentos para não se esperar muito do ano depois de 2009, a verdade é que o reerguer de objectivos, sonhos e projectos terá de ser o único caminho a seguir. Não pela fatalidade do “ter de ser”, mas pela verdade de que somos construtores do nosso próprio futuro e as apostas inspiradas de cada momento presente podem de facto (trans)formá-lo para melhor.
2. O ano 2010 será, em termos europeus, o ano de luta contra a pobreza e exclusão social. Apesar da Europa ser um espaço privilegiado em termos globais, 17% da população não tem condições para a satisfação das suas necessidades mais básicas. Vale a pena, pela positiva, sublinhar alguns objectivos deste Ano Europeu: encorajar a participação e o compromisso de toda a sociedade motivando os cidadãos na luta contra a pobreza; dar voz às preocupações e necessidades dos mais desfavorecidos dando mão a organizações da sociedade civil e a ONG’s na luta contra a pobreza e exclusão social ajudando a derrubar estereótipos; reforçar a solidariedade e fomentar uma sociedade que garanta qualidade de vida, bem-estar social e igualdade de oportunidades.
3. A agenda de 2010 também será marcada em termos internacionais com o Ano Internacional da Biodiversiade. Será, também após a verdade verificada na recente Cimeira de Copenhaga, uma realista oportunidade de avaliação de todas as boas vontades em domínios que, a cada ano que passa, nos tocam e nos interrogam sobre a nossa própria sobrevivência. Se a natureza nos fala da riqueza da diversidade, aprendamos dela a grandeza do essencial que dá sentido à vida, calor às relações e alma à esperança. Não será ano fácil, mas, por isso mesmo, mais este tempo futuro precisa do melhor de todos e dos grandes valores intemporais que nos podem abrem novas janelas. Quem dera que estas expectativas se tornem razão prática e globalmente solidária.