quarta-feira, 31 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
Páscoa, a mesa para pensar
1. Aproximam-se os dias de Páscoa. Brotam os apelos não só à tradição que a tudo se junta mas sim ao autêntico sentido do que o acontecimento representa. A Páscoa abre-se ao convite universal a saber ler a vida de forma continuamente recriadora. É da consciência de que o tempo não é só cíclico e repetitivo mas que traz consigo um «sentido» ascendente, é nesta alma que poderá acontecer Páscoa. Tudo o que gira em torno das festividades pascais pode ser bom, mas a sua efectiva razão de ser, o «coração» da Páscoa é o mais importante. Aquele acontecimento chamado de «Pentecostes», onde todas as línguas e todas as culturas em Jerusalém se entendem na mesma linguagem do «amor», é a grande novidade da Páscoa.
2. Esse acontecimento recriador do «dia seguinte» ao do sacrifício é a grande lição a tirar: o amanhã pode ser melhor, é importante «querer» e «crer» para que o melhor futuro aconteça. Há uma multidão de «crentes» anónimos que vivem, por outras palavras, o desígnio pascal, e como este não é limitado a outras condicionantes que a prática do bem e a procura da verdade, então essa força e presença positiva amplia as possibilidades do «projecto». É natural que tudo pode parecer estranho ao olhar crítico ou a quem não procura construir-se numa dialéctica de confronto enriquecedor com o Absoluto; é verdade que a existência histórica de imposições de «fé» ou de convicções existenciais, foram (ou são) a própria contradição da riqueza do admirável pluralismo pascal.
3. A Páscoa é ao mesmo tempo simples e de difícil compreensão. Existe, se se entra na viagem do sentido da vida e da história. Afirma-se, desde a antiguidade, nos valores da liberdade responsável e empreendedora. Mas não há Páscoa sem preparação da «mesa» do encontro, dessa sempre nova oportunidade de participar na mesa para pensar. É por isso que o nobre gesto de quem se levanta da «mesa» (o lava-pés) é o caminho que pode construir para a eternidade. O «serviço» autêntico reflecte a abertura da «passagem» a toda a poesia restauradora do «ser com» e do «ser para». Dando-lhe um nome, será «Páscoa»!

terça-feira, 30 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
As faces perigosas do facebook
1. Talvez sempre tenha sido assim com as novidades, mas os novos instrumentos da comunicação têm capacidade de sedução sem limites. Quem tiver tempo de sobra e não tiver auto-domínio bem pode passar a vida agarrado ao computador, a navegar por todos os mares e todas as águas que a internet proporciona; das mais límpidas às mais turbas. Mas tudo terá de ter um limite, até porque qualquer excesso tem repercussões maléficas à própria vida e até pode ferir a biologia pessoal. Lembramo-nos quando perto do ano 2000 as mesmas universidades que formavam cientistas da maia alta tecnologia também formavam os ciberpsicólogos para curar os excessos cometidos no seu uso.
2. Agora a recente notícia dá conta de que «clínicas tratam viciados no facebook». Já existe até um nome técnico para qualificar a anomalia dos abusos de facebook: «facebook Addiction Disorder». A obsessão deste entretenimento facebook, além de poder gerar efeitos sociais distorcidos em relação ao diálogo humano, ao trabalho e ao compromisso para com a vida e a sociedade concreta, segundo estudo recente «provoca sintomas semelhantes aos apresentados pelos viciados em substâncias como a nicotina, álcool ou comprimidos.» Em 1995 havia sido diagnosticada a Internet Addiction Disorder; agora, mediante a necessidade de curar as diagnosticadas perturbações psicológicas devido aos abusos, o conceito passou para o facebook.
3. Como é natural, não se duvide que existem mil potencialidades de aproximação e relação entre gentes e culturas que estas novas estradas proporcionam; não reconhecê-lo será cair na outra face do perigo, de rejeitar aquilo que é o sentido da inovação e da aproximação da Humanidade a si mesma. Mas os perigos são também inúmeros; a vigilância prudente e o saber dominar-se a si mesmo revelam-se valores essenciais à preservação até da saúde humana, quanto mais da saúde da relação interpessoal. O perigo alarga quanto mais o acompanhamento humanístico das novas gerações que vivem no facebook vai rareando. Entregues ao facebook?!

segunda-feira, 29 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
A nova era do Porto de Aveiro
1. Decorreu há dias a inauguração da ligação ferroviária ao Porto de Aveiro. Momento solene de registo histórico (27-03-2010) que marca uma nova era para a instituição e, pela sua grandeza estratégica, também para a região. Do pensamento de 30 anos, a ligação foi concretizada em 30 meses, esta a afirmação mais sublinhada que procurava unir as ideias às práticas da capacidade de realização humana. Aveiro, Ílhavo e a região, sentiram este dia como seu, na vivência de um momento talvez comparado como quando pela primeira vez o comboio entrou em Portugal, ou semelhante à inauguração de uma ponte quando se estabelece uma nova ligação.
2. No mundo global, tudo e todas as instituições e pessoas procuram estar ligadas. Ligação significa entrar na rede, factor que amplia em muito as potencialidades estratégicas, tornando o que está longe bem mais perto. Os portos portugueses, por esta última ligação, estão todos ligados à rede ferroviária. O Porto de Aveiro já era referência, mas a linha agora abertura torna-o ainda mais capaz. A concretização do sonho de décadas é meta e impulso que fazem de Aveiro e região pólos de atracção apetecível, com o que isto tem de óptimo, mas como o que acarreta de responsabilizante e acolhedor. O progresso tem preço, mas é o progresso e o desenvolvimento que abrem história e que se atraem consecutivamente.
3. É em ano de centenário da Gafanha da Nazaré que o comboio chegou ao Porto de Aveiro. Momento simbólico que a memória registará nos anais. Também a feliz coincidência do tempo de efeméride quer reconhecer e sempre ampliar o espírito empreendedor, das gentes que moveram forças para esta realização às que agora vêm chegar o comboio a bom porto! A relação do homem com a “água” sempre foi factor de dinamismo e progresso. A linha “unida” ao mar…reflexo dessa vontade de diálogo para o desenvolvimento social de todos.
O FIO DO TEMPO
O histórico coro virtual
1. O momento histórico foi a 24 de Março de 2010. Crianças de doze países participaram no cantar do tema «Lux Aurumque» dirigido pelo maestro (virtual) Eric Whitacre. Uma experiência, ao que parece inédita, no campo musical e que se poderá transferir para outras esferas da vida social e cultural global. Os comentários mais apreciadores um pouco por todo o mundo qualificam o resultado de «impressionante» e «surpreendente», mostrando bem as potencialidades positivas das novas tecnologias e do chamado mundo virtual. O YouTube regista o momento histórico das 185 vozes a uma só voz, todos em palco como se fosse real e um maestro situado no seu lugar expressando o ritmo de uma nova ordem de produção cultural com ecos socio-globais.
2. A composição de tão brilhante ao olhar comum até impressiona pela estranheza… o primeiro impacto do inédito momento. Esta expressão de unidade, a primeira certamente de muitas do género, juntou crianças da Áustria, Argentina, Canadá, Alemanha, Irlanda, Nova Zelândia, Filipinas, Singapura, Espanha, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Mais perto que nunca e também unidos pela arte musical. O potencial das tecnologias deste modo irradiam a sua expressão admirável da maravilha de estarmos mais próximos mas, ao mesmo tempo, compromete-nos a gerarmos proximidade real. O vencer da distância não será para nos afastarmos da realidade diária; não tão virtuais que percamos o que de real e concreto somos.
3. Para além da experiência, os seus efeitos positivos haverão de ser ampliados para domínios da aprendizagem em convivermos com as diferenças de culturas, lendo-as como um enriquecimento deslumbrante quando conseguimos ter a capacidade de entoar a mesma “melodia”. Também os tempos que correm, generalizados de menos optimismo, agradecem este ar fresco musical no que representa em si e principalmente no que pode vir a ser. São estes momentos que pela sua força inovadora e simbólica são capazes de abrir uma nova era.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
O afunilamento económico?
1. O já famoso assunto do PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) interessa a todos. As acções propostas no programa e as reacções emitidas ao PEC mostram bem como à medida que passam os anos e as décadas, com os elementos surpreendentes da nova ordem económica, parece que esta rede truncada se vai fechando na questão económica. Não se duvida da importância de uma gestão rigorosa, justa, ética, sustentável, que garanta o futuro. Mas parecemos enredados num nó que teima em desatar: um apertar de cinto que não desaperta a ponto de, não se duvide, a questão da sobrevivência para uma multidão de gente ser mesmo a dura palavra de ordem.
2. Ao longo das últimas décadas foram-se procurando lançar visões inovadoras da economia e mesmo em vez de falar em «economia» procurou-se abrir esta noção à riqueza que a ideia de «desenvolvimento» contém. É certo que não se pode viver fora do mundo e a micro ou marco gestão obriga ao reforço de medidas que, por sua vez, reforçam os apertos antigos, aqueles que se vão arrastando de ano para ano. Uma bitola parece que se foi mantendo e que no nosso país continua a acentuar a desigualdade social: o facto dos pequenos passarem a ser mais pequenos, estando-lhes o cinto num aperto interminável. A par desta regra, também outra: a de que mesmo com todas as crises os pacotes de férias de Páscoa já parecerem a caminho de esgotar!
3. Estamos no Ano Europeu contra a Pobreza e a Exclusão Social. Estamos num ano depois do safanão da crise financeira mundial. Estamos na Europa da profunda crise económico-social grega. Vemo-nos gregos, e as lições da memória e do tempo tardam em ser transferidas para novas possibilidades em ter sabedoria capaz para tirar partido da crise para um desenvolvimento mais capaz. Como inventar e vencer a inércia? Como viver para além da economia, mas tendo a “casa” arrumada? É pouco só sobreviver; quanto mais se afunila mais estreito parece ser o caminho. Bem-vindo o retorno do comércio solidário? Troca por troca. Um retorno inovador!

terça-feira, 23 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
Paradigmas e comportamentos
1. É bom sentirmos que determinadas épocas são forte estímulo ao aprofundamento e progresso da reflexão. Sem ideias as acções não atingem a qualidade desejada, e a reflexão é esse lugar especial de apuramento de novas metas a atingir. Neste contexto, o tempo de preparação da Páscoa é oportunidade privilegiada para que a vivência festiva tenha autêntico significado pessoal e social, para que não seja só a tradição a conduzir os valores pelos quais e nos quais se procura alicerçar a vida. Que bom seria que, acompanhando os tempos fortes do ano e as quadras festivas mais expressivas, fosse sempre despertado o momento de se apurar conteúdo que dá sentido à vida e inspiração aos desafios.
2. A Comissão Nacional Justiça e Paz é uma dessas instâncias que procuram ser presença crítica na sociedade actual. Para estes 40 dias antecedentes da Páscoa lançou um documento intitulado: «Novos paradigmas, novos comportamentos». Temática sugestiva de mensagem que vale a pena ler para dialogar nela rasgos de criatividade e presença social. Como hábito neste perfil de intervenção, faz-se um diagnóstico da realidade (ver), consideram-se os discernimentos necessários ao progresso (julgar), e propõem-se caminhos de relançamento e superação das problemáticas. Desde as questões da ecologia à problemática fenómeno da pobreza (neste Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social), são múltiplas as temáticas abordadas que valerá a pena reflectir e desenvolver.
3. Independentemente do modo de pensar de cada um, o primeiro passo de qualquer diálogo será aceitar «pensar». A festa, como a vida, que se prepara cada dia quererá ser meta de chegada e ponto de partida para a superação daquilo que são os obstáculos que sempre pertencem ao caminho.
Se o tempo actual é de novos paradigmas, a forma de estar no comportamento haverá de se ajustar à nova realidade. Mas nesta, sabe preservar o essencial.

quinta-feira, 18 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
Paremos diante de uma poesia!
1. O tempo primaveril está à porta. Se não propriamente as condições climáticas ideais da quadra, no calendário está a chegar a mudança de estação, assinalada a 21 de Março com a entrada na Primavera. Com o brotar rejuvenescedor da natureza, o espírito humano é convidado a elevar-se de forma recriada e poética. É neste nobre relançar de objectivos, também num tempo em que a aproximação à Páscoa ganha um novo fôlego, que o Dia Mundial da Poesia vem propor-nos um tempo de paragem e reflexão. Desde 1999 que a UNESCO colou ao início primaveril a arte literária da poética como atitude de elevação e dignificação.
2. Nos tempos que correm e na agitação da vida, talvez esta seja uma oportunidade rica de valorizar a pausa de poesia como um caminho aberto ao enriquecimento pessoal, como apelo à sensibilidade e ao conteúdo recriador. As pressas da vida num prato da balança precisam do outro lado da necessária temperança reequilibradora para a qualidade de vida que se apregoa ter efectivamente alma e chama. Ao olharmos e mesmo diante da riquíssima diversidade de culturas e religiões, diante da opção (ou não) de cada um por esta ou aquela perspectiva; dentre essas a opção por uma visão cristã da vida e da história humana em sociedade…diante de todas as hipóteses de construir um caminho, ou mesmo para quem nem sequer coloca qualquer hipótese, a poesia como caminho de pensamento e identidade faz bem e dá saúde.
3. Como na era dominante e dominada (ou mesmo domada) pelas tecnologias, de que modo propor-se à revalorização da “palavra” e nesta da ideia e “palavra poética”? A poesia, como reflexo de interioridade, é muito mais que palavra que flui; reflecte o ser, a alma, o sentir, a transcendência de que a existência é capaz. Como dizia o célebre cientista teólogo, Teilhard de Chardin (1881-1955), «tudo o que sobre converge». Talvez este mundo apressado precise bem mais de subir em níveis de reflexão e sabedoria humanística para poder convergir no essencial da condição humana.

quarta-feira, 17 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
A dor a solidão do vandalismo
1. Todo o acto vândalo é condenável. Aliás, vândalos eram os bárbaros, aqueles que promoviam a barbárie, a matança sem freios, a promoção iníqua do mal, o dividir para reinar. O ambiente vândalo convém a quem quer domar e dominar. O acto vândalo como o de violência para a resolução de contenciosos ou opiniões diversas, espelha o mau estar de quem o promove ou faz. À sociedade feita de gente adulta e amadurecida o acto violento e bárbaro não faz parte do programa de argumentação, e as palavras que hão-de ser ditas em sede própria na procura de fundamentação não se poderão traduzir em acto violento obscuro. Só a menoridade e o fanatismo conseguem conviver com o sombrio vandalismo.
2. É demolidor e fatalista mais que o acto em si a ideia de o realizar. Quando não há pensamento racional ou quando não há instrução, porventura, é menor a obrigação da ética e o acto violento contém alguma atenuante. Mas como “a quem muito é dado mais é pedido”, o acto de violência idealizado e executado por quem tem pensamento próprio é crime inqualificável. Neste passo do terrível e impensável que os humanos podem fazer uns aos outros, aos que estão cá e até aos que já partiram, vale a pena meditar nas palavras de alguém que viu criticamente no seu tempo a desgraça da barbárie humana, de quem gosta do mal.
3. Montaigne (1533-1592) viu e denunciou a mortandade que os europeus donos da razão cometiam para com os outros povos encontrados: «o que, porém, nunca entre eles se viu foi uma opinião tão desregrada que justificasse a traição, a deslealdade, a tirania e a crueldade, vícios vulgares entre nós. Podemos, pois, chamar bárbaros a esses povos face à razão mas não face a nós, que os ultrapassamos em toda a sorte de barbárie». Que habita na cabeça de quem usa a razão para a prática da violência e do vandalismo? Que perturbadora realização e felicidade é essa, a da prática do mal aos outros? A enfermidade de quem pensa e age no vandalismo é e será a dor da profunda solidão por que se escolheu seguir o caminho...

terça-feira, 16 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
O reequilíbrio em realização
1. Existia a ideia típica do euromundo de que as comodidades nos pertenciam, que o modelo de desenvolvimento justo e honesto seria este, em que não nos falta quase nada em termos de bens materiais. À medida que a roda a girar da globalização acelerou o contacto de uns com os outros, tomámos conhecimento desses valores adquiridos a tal ponto de deles não conseguirmos abdicar pelas consequências nefastas que isso trazia. O mundo e a visão do mundo (mundivisão) estava desequilibrada, e tal como nos fomos habituando a TER sem SER, outros continentes foram preservando bem mais a noção de SER que hoje os está a conduzir ao TER.
2. A crise financeira de 2009, se não deu as necessárias lições de ética reguladora aos que agora vão apontando o mesmo caminho que afundou o barco, um efeito essa crise teve: o manifestar incontornável dos novos centros do mundo, dos países que até agora nos últimos séculos eram vistos como menores estão a ser bem maiores que uma Europa que nem a grave questão na natalidade consegue reflectir. Desses países (BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China), habituados a sofrer e a não se acomodar no bem-estar, vem agora um novo mundo de referências, umas libertadoras pela inspiração de sabedoria, outras fragmentadoras, como no mundo complexo do trabalho.
3. Dados novos (sempre numa dialéctica de continuação, é certo) estão diante de mesas velhas. O racionalismo europeu, o iluminismo que estruturou o Estado de Direito possível está, também pela rede atrofiadora da liberdade “queimada” pela libertinagem, num regresso à “caverna” donde saiu para se repensar. O reequilíbrio custa, e custa tanto mais para quem está no estado de perda como nós. Nos países emergentes (já bem erguidos!) a motivação sobre dia-a-dia em flecha. Diante deste pessimismo da resistência que nos falta e por isso chamamos “crise”, estarão os grandes valores humanistas do mundo ocidental em vias de perda? Não é uma questão de tecnologia mas de existência e por isso de resistência.
O FIO DO TEMPO
A Grécia e o futuro
1. Sabe-se da crise social grega, pois que ela até foi apontada como o futuro que não desejamos para nenhum país, também não para Portugal. As imagens da continuada contestação social na Grécia são reais e tocam, a partir do país origem da razão democrática, os alicerces da sobrevivência de gentes e comunidades. Como propor medidas restauradoras diante de crise presente? Como estimular caminhos de exigência e poupança para multidões que estão no limiar da sobrevivência? A contestação não é superficial, toca o pão para a boca. Para o restabelecer das finanças do país, as medidas só podem ser de austeridade, como se ela por si chegasse para a resolução do problema. As ruas de Atenas vivem a cultura das massas em histórica contestação social e humana. Maio de 68, Atenas de 2010 – crise social?
2. O confronto é atitude constante, terreno fértil ao crime de roubo. Como contestação à austeridade a greve esteve e está na agenda do dia; se toda esta energia fosse na liberdade empreendedora catalisada em motivação comunitária, o desenvolvimento social poderia estar bem mais perto. Se o sagrado direito à greve é intocável, também o é o realismo do não saber que se fazer para se sair donde se chegou. Se pudéssemos voltar ao passado?! Uma das fortes medidas é aumentar os impostos sobre o álcool; é bem mais justo que assim seja que aumentar o pão de cada dia. O ditado “casa onde não há pão” pode-se aplicar sempre que o “trabalho de casa” não foi feito e se sofre as consequências do desgoverno de alguns que tirou o pão de tantos outros. Será assim?
3. Não há fórmulas para a superação da crise, esta que tem raízes que perduram por décadas e pode ter razões e valores (ou a sua ausência) que estão entranhados nas sociedades. Nestas lides, um pequeno mau hábito, um gesto não sério, um momento de interesse corrupto cometido um vez e multiplicado em milhões de vezes e anos pode conduzir ao precipício uma cidade, um país, um continente. Estaremos a pagar a factura da desregulação da liberdade nas políticas e nas economias? Ou não sabemos e não nos adaptámos?

quinta-feira, 11 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
A força da credibilidade
1. Quem “folheia” num minuto as notícias pelos sítios da internet dos principais jornais diários sente que o relatório de acontecimentos destacados são pouco inspiradores pois trazem sempre consigo sintomáticas nuvens de insatisfação. Dois recentes sublinhados poderemos destacar: a entrevista do presidente da república que salientou a necessidade da “ética nos negócios”, e os resultados da revista forbes que exalta Américo Amorim como o homem mais rico do país. Quem não se lembra de há quase um ano o gigante grupo Amorim ter executado o despedimento de trabalhadores justificando tal facto pela crise reinante! A este perfil noticioso pode-se juntar os resultados que vão chegando do exercício do ano de crise 2009, de que se poderá destacar há dias o rejubilar dos magníficos resultados da EDP…
2. A credibilidade e a ética precisam de pés firmes e o sentido da riqueza e da economia carecem de uma finalidade bem mais elevada. Quando se governa um barco poderá ser fácil seguir o caminho do “não olhar a meios para atingir fins”. Bem mais difícil, e há muita gente heróica anónima neste país, será gerir a fronteira da empresa na linha esforçada de responsabilidade social. Também é urgente superar o mito antigo da menoridade em que o lobo era sempre quem governa e o cordeiro vítima o trabalhador. Casa pessoa é uma pessoa, cada caso um caso, cada empresa ou instituição é uma realidade única a reclamar medidas únicas.
3. O alto enriquecimento à custa do empobrecimento é a pior das chagas sociais e poderá ser (sempre foi) o princípio da (re)volução libertadora. Se todos empobrecem, todos se sentem no mesmo barco; se um enriquece à custa do desemprego e miséria de muitos, dá vontade de dizer: «pobre riqueza». A ética do negócio em cenários de crise capaz de gerar credibilidade, aconselha vivamente ao repartir do “mal pelas aldeias”. A revista forbes confirma que continuamos longe! Até quando?

quarta-feira, 10 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
E ao virar da esquina?
1. Na data de 10 de Março 2010, José Gil deu a última aula. O conceituado filósofo português, em 2005 segundo a revista francesa Nouvel Observateur um dos 25 maiores pensadores do mundo, aposenta-se como professor. Fica célebre a sua obra Portugal Hoje – o Medo de Existir, que o trouxe para a ribalta do grande público. Mas o filósofo é sempre construído na reflexão aprofundada e nas leituras silenciosas da realidade global. A última aula foi sobre o tema da linguagem artística e a filosofia, e o que tudo isto tem a ver com a vida das gentes em Portugal e no mundo. José Gil, como filósofo sistemático, tem um forte sentido crítico apurado no olhar de observação do real; todos, como filósofos espontâneos, haveremos de desenvolver mais esse espírito crítico que nos faz pensar e reflectir para melhor agir.
2. Não interessa, de modo algum, concordar com tudo o que diz este ou aquele filósofo. A aprendizagem do pluralismo e da interculturalidade fará de todos seres pensantes e conviventes na diversidade das gentes. Esta será a maior riqueza. Poderemos, na medida das identificações, apreciar num confronto enriquecedor este ou aquele pensador, numa aceitação sempre interrogada mas em que se vão encontrando peugadas firmes. Numa das rádios José Gil salientava o novo e complexo quadro de incertezas “ao virar da esquina”, diante da fragmentação e diluição daquilo e das ideias que pareciam certas. Nessa equina estejam todos os que, insatisfeitos com o presente, procuram descortinar caminhos de melhor futuro.
3. Por vezes os filósofos podem parecer pessimistas e a sua interpretação da realidade mais escura que optimista. É fácil estabelecer acordo de que a profunda mudança social exige bem mais atenção de todos. Mas exista mais tempo e lugar para reconhecer, como diz o filósofo, que «há uma inteligência que só a arte nos dá e que é fundamental». Estará o sentido artístico em perigo? Navegando na arte aproximamo-nos da Verdade e do melhor da Humanidade.
O FIO DO TEMPO
A chacina da Nigéria
1. A notícia foi abrupta e continua a chocar a recta razão. Não é novidade a chacina que as intolerâncias provocam, e a história das ideias que está por trás de cada notícia destas faz-nos a pensar sobre as capacidades do entendimento humano, seja em que século for. Na Nigéria, são milhares de mortos na última década. Nestes últimos dias juntam-se-lhes mais algumas centenas. Números e pessoas tristemente confundem-se… Os apelos do exterior, da secretária morte-americana Hillary Clinton, de outros estados e da Human Rights Watch, pedem comovidamente que se detenham e se julguem os responsáveis por esta chacina de centenas de pessoas no centro do país. A Nigéria parece um limbo, cheira à morte provocada pela intolerância…
2. As ordens do recolher de pouco ou nada valem. Neste contexto pressionado, qualquer acendalha pode reactivar o fogo cruel. Que causas de tudo isto? Pela rama, deve-se a assaltos ao gado do “vizinho”. Pelo sentido profundo, as razões tocam o combate étnico e religioso, entre muçulmanos e cristãos. Liderança? À crise da fome junta-se a ausência de quem tenha forças capazes de liderar o mal menor para o bem social. Desde Novembro que Umaru Yar’Adua, chefe de Estado nigeriano, tem estado ausente por uma longa hospitalização na Arábia Saudita. Regressou há pouco tempo, e diante da euforia de multidão em brasa e colhendo os maus frutos de desordenança que a impunidade reinante gera, quase nada há a fazer.
3. Das razões que a “razão” desconhece são a intolerância étnica, política ou religiosa o pior dos males deste mundo. Como em cenários dantescos semelhante ao da Nigéria replantar a saudabilidade de se viver com dignidade? Quantos mais mártires são necessários e quanto sangue jorrar para se ver o fim? As perguntam podem não acabar. Mas elas têm de se voltar para a consciência de cada agressor. Para isso é preciso baixar as armas…
O FIO DO TEMPO
Bulling, exclusão e cultura da paz
1. O recente caso do aluno de escola de Mirandela que desapareceu no Rio Tua, na confirmação de que seria vítima habitual de violência pelos colegas dentro e fora da escola, faz-nos reparar e reflectir que a exclusão não é só um triste fenómeno dos adultos mas que de tenra idade ela já faz história e cria infeliz escola. A violência gratuita, em grupo, física ou psicológica, o Bullying, é causa (por si) e gera consequências dramáticas. Precisamos de uma cultura de paz, de tolerância, de respeito pela diversidade e pela opinião dos outros; mas, contraditório com esta vontade, os meios mais poderosos de comunicação anunciam bem mais a violência que a harmonia.
2. Sempre que numa escola acontece algum episódio de violência ou que nos seus contornos actos de intolerância podem tocar os muros das escolas, vem aquela crítica muito injusta de desaprecia o meio escolar. Com objectividade, hoje pede-se bem mais à escola que aquilo que se devia pedir; o eixo fulcral dos actos violentos quando acontecem na escola, são porque foram levados para lá; o problema é profunda e transversalmente social e não da comunidade escolar; esta é “chamada a” mas não consegue nem pode responder a toda a complexidade de problemas que lhe entram pelas portas. Mas também esta realidade, e tendo em vista um paradigma de formação e educação social, obrigará a repensar a existência programática da escola actual.
3. Com olhar minimamente crítico, e para além das diferenças de etnias ou proveniências, a exclusão começa por coisas tão simples como o ter isto ou aquilo, ou ser deste clube ou daquele. Quando a estas tolerâncias em embrião se juntam a idade e a luta pela sobrevivência, a par de uma fulcral desinformação de que «com os outros» vamos todos mais longe, temos o terreno fértil à imposição violenta sobre outros diferentes e iguais como nós. Continua por construir a fórmula da paz, por isso ela precisa da humanidade de todos. Seja também a formação educativa, ao longo da vida, mais perita em Humanidade.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
A cultura preventiva
1. São as situações imprevistas que testam as verdadeiras capacidades das nossas previsões. A cultura preventiva e de segurança tem de ser vista como factor de desenvolvimento e progresso, pois garantem mais possibilidades de sucesso perante cenários imprevisíveis. Ao dizer-se que “homem prevenido vale por dois”, afirma-se as vantagens de se estar preparado e formado para tudo, para que quando se verificar a indesejada ocorrência surpreendente a capacidade de resposta tenha discernimento e valor acrescentado. Neste factor preventivo, hoje, teremos de juntar conhecimentos para além dos clássicos teóricos, incluindo os próprios conhecimentos das leis (não só físicas mas) também da natureza tendo como pano de fundo a realidade que temos, e não só a que gostaríamos de ter.
2. Parece-nos que persiste um grande défice em termos das necessidades educativas referentes à actuação diante de situações humanitárias, de momentos de emergência, das noções básicas para se poder socorrer sendo parte da solução e não do problema. Tudo porque quando não se sabe como actuar, procurando ajudar pode-se desajudar. Sabe-se que no sistema de ensino e aprendizagem podem-se fazer todos os cursos, graduações e pós-graduações sem nunca fazer parte dos programas, por exemplo, um mini curso de socorrismo, de segurança no trabalho, de actuação em situações de emergência. As vantagens desta formação para todos e para cada um seriam evidentes, mas a sua aposta precisa de ver mais valorizada a visão da educação como um todo pessoal e social.
3. Como em tudo, o ideal seria não ser necessário a urgência para então depois se patentear a vantagem. O primeiro passo seria antever, prever para ser clarividente a necessidade da aposta nesta formação de cultura preventiva, a qual teria efeitos polivalentes e transversais à vida em sociedade. Para quando o realismo nos conduzirá a estas apostas estruturantes?
O FIO DO TEMPO
Relativização e não relativismo
1. É frequente a equiparação de “relativismo” à consciência da relativização necessária diante da fragilidade humana. Os acontecimentos tempestuosos recordam a condição humana, uma fragilidade sempre perturbadora mas inevitável. A relativização das coisas como modelo de observação da realidade ajuda-nos a diferenciar o essencial daquilo que é efectivamente secundário. É relativo o “se vamos por aqui ou por ali”, mas não é relativo que somos, existimos e que estamos chamados à realização plena. Esta abordagem orienta-nos para um plano superior, o de compreender o que queremos dizer quando se repete que “tudo é relativo”.
2. É enganador que “tudo é relativo”, e tudo depende do patamar de que falamos. Em termos de forte corrente cultural, observa-se um “relativismo” que cria escola generalizadora da diluição de valores prévios, do confundir o que é bem com o que é mal, do agarrar na subjectividade dos valores transformando-a em factor gerador mesmo de anti-valores. Após as sucessivas épocas de positivismos, as correntes de relativismo, pegando na identidade pessoal dos indivíduos como admirável dado único, têm manobrado e criado muita da escola do individualismo do Ocidente. Por exemplo, as grandes questões fracturantes que apuram razões com as bioéticas actuais reflectem o relativismo ético, fechados do qual se torna depois difícil vislumbrar rumos a seguir. Este relativismo, como novo paradigma cultural (ou mesmo especialmente sem cultura), estudando-se a si próprio asfixia-se e impede um rasgar de horizontes de exigência transformadora pessoal e social.
3. O que é que tudo isto tem a ver com a realidade diária e com as novas gerações? Embora as catástrofes naturais mostrem como somos relativos (limitados e pequenos), a verdade é que não se pode transformar esta condição de relatividade num relativismo em que tudo vale a pena, no “tanto faz como se fez”! A confusão entre relatividade da condição humana e relativismo cultural também pode ser terreno fértil a um novo “carpe diem” desmotivado e descomprometido. Isto é tudo o que não é preciso.
O FIO DO TEMPO
É hora de reconstrução
1. Umas vezes construímos, outras reconstruímos. A construção é o primeiro passo; a reconstrução, como segundo momento, exige uma avaliação ponderada daquilo que serão os alicerces mais profundos com a finalidade de mais e melhor se conseguir a desejada segurança sustentável. Os dias deste mundo não têm sido fáceis, a natureza alerta-nos de diversas formas, as forças humanas são desafiadas à resistência e persistência. No meio de tantas tempestades têm existido “machados” que se enterram, de quem reconhece que “temos andado tão enganados”, de que afinal “Portugal é assim”, solidário, de coração grande!
2. Mas após o “acalmar do pó” vem o dia seguinte que deverão ser os meses seguintes, os anos seguintes, o tempo seguinte. A força da reconstrução faz lembrar sempre a “fénix renascida”, quando das cinzas da tragédia se redescobrem capacidades antes ocultas, porque agora testadas com os safanões da natureza que nos preside e que também somos. A reconstrução precisa de tudo e de todos; a reconstrução que não é só uma questão de tecnologia de forças e de máquinas, mas exige bem mais a chamada “força interior”, a alma, a consciência dinâmica de quem está receptivo para aprender e crescer com cada acontecimento.
3. Não há outro fio condutor ao futuro que não seja o da esperança, e esta não é um objecto mas um sentir. Do Haiti à Madeira, da Madeira ao Chile, a história que se vai escrevendo nestas tragédias faz pensar para actuar e reflectir para interiorizar sobre a condição humana diante da delicada mãe natureza. Esta é a hora onde também têm lugar aquelas perguntas sobre se temos sido bons administradores e gestores sábios dos recursos que o planeta transporta? Ou se temos sido factor de desequilíbrio com graves consequências? Nos últimos anos tem crescido o cinema de catástrofe que retratas as verdades inconvenientes... Mas o sol, com a sua beleza radiante, voltará a pôr-se todos os dias. Façamos tudo por este filme!