quarta-feira, 31 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
Páscoa, a mesa para pensar
1. Aproximam-se os dias de Páscoa. Brotam os apelos não só à tradição que a tudo se junta mas sim ao autêntico sentido do que o acontecimento representa. A Páscoa abre-se ao convite universal a saber ler a vida de forma continuamente recriadora. É da consciência de que o tempo não é só cíclico e repetitivo mas que traz consigo um «sentido» ascendente, é nesta alma que poderá acontecer Páscoa. Tudo o que gira em torno das festividades pascais pode ser bom, mas a sua efectiva razão de ser, o «coração» da Páscoa é o mais importante. Aquele acontecimento chamado de «Pentecostes», onde todas as línguas e todas as culturas em Jerusalém se entendem na mesma linguagem do «amor», é a grande novidade da Páscoa.
2. Esse acontecimento recriador do «dia seguinte» ao do sacrifício é a grande lição a tirar: o amanhã pode ser melhor, é importante «querer» e «crer» para que o melhor futuro aconteça. Há uma multidão de «crentes» anónimos que vivem, por outras palavras, o desígnio pascal, e como este não é limitado a outras condicionantes que a prática do bem e a procura da verdade, então essa força e presença positiva amplia as possibilidades do «projecto». É natural que tudo pode parecer estranho ao olhar crítico ou a quem não procura construir-se numa dialéctica de confronto enriquecedor com o Absoluto; é verdade que a existência histórica de imposições de «fé» ou de convicções existenciais, foram (ou são) a própria contradição da riqueza do admirável pluralismo pascal.
3. A Páscoa é ao mesmo tempo simples e de difícil compreensão. Existe, se se entra na viagem do sentido da vida e da história. Afirma-se, desde a antiguidade, nos valores da liberdade responsável e empreendedora. Mas não há Páscoa sem preparação da «mesa» do encontro, dessa sempre nova oportunidade de participar na mesa para pensar. É por isso que o nobre gesto de quem se levanta da «mesa» (o lava-pés) é o caminho que pode construir para a eternidade. O «serviço» autêntico reflecte a abertura da «passagem» a toda a poesia restauradora do «ser com» e do «ser para». Dando-lhe um nome, será «Páscoa»!

terça-feira, 30 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
As faces perigosas do facebook
1. Talvez sempre tenha sido assim com as novidades, mas os novos instrumentos da comunicação têm capacidade de sedução sem limites. Quem tiver tempo de sobra e não tiver auto-domínio bem pode passar a vida agarrado ao computador, a navegar por todos os mares e todas as águas que a internet proporciona; das mais límpidas às mais turbas. Mas tudo terá de ter um limite, até porque qualquer excesso tem repercussões maléficas à própria vida e até pode ferir a biologia pessoal. Lembramo-nos quando perto do ano 2000 as mesmas universidades que formavam cientistas da maia alta tecnologia também formavam os ciberpsicólogos para curar os excessos cometidos no seu uso.
2. Agora a recente notícia dá conta de que «clínicas tratam viciados no facebook». Já existe até um nome técnico para qualificar a anomalia dos abusos de facebook: «facebook Addiction Disorder». A obsessão deste entretenimento facebook, além de poder gerar efeitos sociais distorcidos em relação ao diálogo humano, ao trabalho e ao compromisso para com a vida e a sociedade concreta, segundo estudo recente «provoca sintomas semelhantes aos apresentados pelos viciados em substâncias como a nicotina, álcool ou comprimidos.» Em 1995 havia sido diagnosticada a Internet Addiction Disorder; agora, mediante a necessidade de curar as diagnosticadas perturbações psicológicas devido aos abusos, o conceito passou para o facebook.
3. Como é natural, não se duvide que existem mil potencialidades de aproximação e relação entre gentes e culturas que estas novas estradas proporcionam; não reconhecê-lo será cair na outra face do perigo, de rejeitar aquilo que é o sentido da inovação e da aproximação da Humanidade a si mesma. Mas os perigos são também inúmeros; a vigilância prudente e o saber dominar-se a si mesmo revelam-se valores essenciais à preservação até da saúde humana, quanto mais da saúde da relação interpessoal. O perigo alarga quanto mais o acompanhamento humanístico das novas gerações que vivem no facebook vai rareando. Entregues ao facebook?!

segunda-feira, 29 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
A nova era do Porto de Aveiro
1. Decorreu há dias a inauguração da ligação ferroviária ao Porto de Aveiro. Momento solene de registo histórico (27-03-2010) que marca uma nova era para a instituição e, pela sua grandeza estratégica, também para a região. Do pensamento de 30 anos, a ligação foi concretizada em 30 meses, esta a afirmação mais sublinhada que procurava unir as ideias às práticas da capacidade de realização humana. Aveiro, Ílhavo e a região, sentiram este dia como seu, na vivência de um momento talvez comparado como quando pela primeira vez o comboio entrou em Portugal, ou semelhante à inauguração de uma ponte quando se estabelece uma nova ligação.
2. No mundo global, tudo e todas as instituições e pessoas procuram estar ligadas. Ligação significa entrar na rede, factor que amplia em muito as potencialidades estratégicas, tornando o que está longe bem mais perto. Os portos portugueses, por esta última ligação, estão todos ligados à rede ferroviária. O Porto de Aveiro já era referência, mas a linha agora abertura torna-o ainda mais capaz. A concretização do sonho de décadas é meta e impulso que fazem de Aveiro e região pólos de atracção apetecível, com o que isto tem de óptimo, mas como o que acarreta de responsabilizante e acolhedor. O progresso tem preço, mas é o progresso e o desenvolvimento que abrem história e que se atraem consecutivamente.
3. É em ano de centenário da Gafanha da Nazaré que o comboio chegou ao Porto de Aveiro. Momento simbólico que a memória registará nos anais. Também a feliz coincidência do tempo de efeméride quer reconhecer e sempre ampliar o espírito empreendedor, das gentes que moveram forças para esta realização às que agora vêm chegar o comboio a bom porto! A relação do homem com a “água” sempre foi factor de dinamismo e progresso. A linha “unida” ao mar…reflexo dessa vontade de diálogo para o desenvolvimento social de todos.
O FIO DO TEMPO
O histórico coro virtual
1. O momento histórico foi a 24 de Março de 2010. Crianças de doze países participaram no cantar do tema «Lux Aurumque» dirigido pelo maestro (virtual) Eric Whitacre. Uma experiência, ao que parece inédita, no campo musical e que se poderá transferir para outras esferas da vida social e cultural global. Os comentários mais apreciadores um pouco por todo o mundo qualificam o resultado de «impressionante» e «surpreendente», mostrando bem as potencialidades positivas das novas tecnologias e do chamado mundo virtual. O YouTube regista o momento histórico das 185 vozes a uma só voz, todos em palco como se fosse real e um maestro situado no seu lugar expressando o ritmo de uma nova ordem de produção cultural com ecos socio-globais.
2. A composição de tão brilhante ao olhar comum até impressiona pela estranheza… o primeiro impacto do inédito momento. Esta expressão de unidade, a primeira certamente de muitas do género, juntou crianças da Áustria, Argentina, Canadá, Alemanha, Irlanda, Nova Zelândia, Filipinas, Singapura, Espanha, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos. Mais perto que nunca e também unidos pela arte musical. O potencial das tecnologias deste modo irradiam a sua expressão admirável da maravilha de estarmos mais próximos mas, ao mesmo tempo, compromete-nos a gerarmos proximidade real. O vencer da distância não será para nos afastarmos da realidade diária; não tão virtuais que percamos o que de real e concreto somos.
3. Para além da experiência, os seus efeitos positivos haverão de ser ampliados para domínios da aprendizagem em convivermos com as diferenças de culturas, lendo-as como um enriquecimento deslumbrante quando conseguimos ter a capacidade de entoar a mesma “melodia”. Também os tempos que correm, generalizados de menos optimismo, agradecem este ar fresco musical no que representa em si e principalmente no que pode vir a ser. São estes momentos que pela sua força inovadora e simbólica são capazes de abrir uma nova era.

quarta-feira, 24 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
O afunilamento económico?
1. O já famoso assunto do PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) interessa a todos. As acções propostas no programa e as reacções emitidas ao PEC mostram bem como à medida que passam os anos e as décadas, com os elementos surpreendentes da nova ordem económica, parece que esta rede truncada se vai fechando na questão económica. Não se duvida da importância de uma gestão rigorosa, justa, ética, sustentável, que garanta o futuro. Mas parecemos enredados num nó que teima em desatar: um apertar de cinto que não desaperta a ponto de, não se duvide, a questão da sobrevivência para uma multidão de gente ser mesmo a dura palavra de ordem.
2. Ao longo das últimas décadas foram-se procurando lançar visões inovadoras da economia e mesmo em vez de falar em «economia» procurou-se abrir esta noção à riqueza que a ideia de «desenvolvimento» contém. É certo que não se pode viver fora do mundo e a micro ou marco gestão obriga ao reforço de medidas que, por sua vez, reforçam os apertos antigos, aqueles que se vão arrastando de ano para ano. Uma bitola parece que se foi mantendo e que no nosso país continua a acentuar a desigualdade social: o facto dos pequenos passarem a ser mais pequenos, estando-lhes o cinto num aperto interminável. A par desta regra, também outra: a de que mesmo com todas as crises os pacotes de férias de Páscoa já parecerem a caminho de esgotar!
3. Estamos no Ano Europeu contra a Pobreza e a Exclusão Social. Estamos num ano depois do safanão da crise financeira mundial. Estamos na Europa da profunda crise económico-social grega. Vemo-nos gregos, e as lições da memória e do tempo tardam em ser transferidas para novas possibilidades em ter sabedoria capaz para tirar partido da crise para um desenvolvimento mais capaz. Como inventar e vencer a inércia? Como viver para além da economia, mas tendo a “casa” arrumada? É pouco só sobreviver; quanto mais se afunila mais estreito parece ser o caminho. Bem-vindo o retorno do comércio solidário? Troca por troca. Um retorno inovador!

terça-feira, 23 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
Paradigmas e comportamentos
1. É bom sentirmos que determinadas épocas são forte estímulo ao aprofundamento e progresso da reflexão. Sem ideias as acções não atingem a qualidade desejada, e a reflexão é esse lugar especial de apuramento de novas metas a atingir. Neste contexto, o tempo de preparação da Páscoa é oportunidade privilegiada para que a vivência festiva tenha autêntico significado pessoal e social, para que não seja só a tradição a conduzir os valores pelos quais e nos quais se procura alicerçar a vida. Que bom seria que, acompanhando os tempos fortes do ano e as quadras festivas mais expressivas, fosse sempre despertado o momento de se apurar conteúdo que dá sentido à vida e inspiração aos desafios.
2. A Comissão Nacional Justiça e Paz é uma dessas instâncias que procuram ser presença crítica na sociedade actual. Para estes 40 dias antecedentes da Páscoa lançou um documento intitulado: «Novos paradigmas, novos comportamentos». Temática sugestiva de mensagem que vale a pena ler para dialogar nela rasgos de criatividade e presença social. Como hábito neste perfil de intervenção, faz-se um diagnóstico da realidade (ver), consideram-se os discernimentos necessários ao progresso (julgar), e propõem-se caminhos de relançamento e superação das problemáticas. Desde as questões da ecologia à problemática fenómeno da pobreza (neste Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social), são múltiplas as temáticas abordadas que valerá a pena reflectir e desenvolver.
3. Independentemente do modo de pensar de cada um, o primeiro passo de qualquer diálogo será aceitar «pensar». A festa, como a vida, que se prepara cada dia quererá ser meta de chegada e ponto de partida para a superação daquilo que são os obstáculos que sempre pertencem ao caminho.
Se o tempo actual é de novos paradigmas, a forma de estar no comportamento haverá de se ajustar à nova realidade. Mas nesta, sabe preservar o essencial.

quinta-feira, 18 de março de 2010

O FIO DO TEMPO
Paremos diante de uma poesia!
1. O tempo primaveril está à porta. Se não propriamente as condições climáticas ideais da quadra, no calendário está a chegar a mudança de estação, assinalada a 21 de Março com a entrada na Primavera. Com o brotar rejuvenescedor da natureza, o espírito humano é convidado a elevar-se de forma recriada e poética. É neste nobre relançar de objectivos, também num tempo em que a aproximação à Páscoa ganha um novo fôlego, que o Dia Mundial da Poesia vem propor-nos um tempo de paragem e reflexão. Desde 1999 que a UNESCO colou ao início primaveril a arte literária da poética como atitude de elevação e dignificação.
2. Nos tempos que correm e na agitação da vida, talvez esta seja uma oportunidade rica de valorizar a pausa de poesia como um caminho aberto ao enriquecimento pessoal, como apelo à sensibilidade e ao conteúdo recriador. As pressas da vida num prato da balança precisam do outro lado da necessária temperança reequilibradora para a qualidade de vida que se apregoa ter efectivamente alma e chama. Ao olharmos e mesmo diante da riquíssima diversidade de culturas e religiões, diante da opção (ou não) de cada um por esta ou aquela perspectiva; dentre essas a opção por uma visão cristã da vida e da história humana em sociedade…diante de todas as hipóteses de construir um caminho, ou mesmo para quem nem sequer coloca qualquer hipótese, a poesia como caminho de pensamento e identidade faz bem e dá saúde.
3. Como na era dominante e dominada (ou mesmo domada) pelas tecnologias, de que modo propor-se à revalorização da “palavra” e nesta da ideia e “palavra poética”? A poesia, como reflexo de interioridade, é muito mais que palavra que flui; reflecte o ser, a alma, o sentir, a transcendência de que a existência é capaz. Como dizia o célebre cientista teólogo, Teilhard de Chardin (1881-1955), «tudo o que sobre converge». Talvez este mundo apressado precise bem mais de subir em níveis de reflexão e sabedoria humanística para poder convergir no essencial da condição humana.