quinta-feira, 6 de novembro de 2008

O FIO DO TEMPO
McCain, saída em Unidade
1.
A grandeza humana diária é colocada fortemente à prova em horas como a que McCain terá vivido no final do processo eleitoral. De muitas realidades que transpareceram para todos da democracia americana nestes dias, valerá a pena salientar o sentido inconfundível da unidade de todos em torno de ideais que, afinal reflectem a vontade do povo. Sabe-se que nos países democráticos já existe o bom hábito adulto das saudações de apreço mútuo do vencedor e do vencido. Mas quantas vezes essa saudação é absolutamente torcida, arrancada a ferros, pois, sejamos francos, não será fácil ao fim de tantos meses de duro combate entre candidatos!
2. Numa necessária análise isenta dos factos, nem pró nem anti-americana, seja dito que a agilidade e verdade da democracia também se reflectem quando os primeiros discursos pós-eleições manifestam um pendor intocável no sentido do bem comum como o bem maior de todos. Valerá a pena reter como exemplo os pedidos comunitários sublinhados nas primeiras mensagens. Aquele momento em que McCain convida os republicanos a associarem-se a ele na saudação e nos votos de boa presidência a Obama tem muito de autêntica “transcendência”: os apoiantes republicanos começam aos assobios ao nome Obama e McCain abre os braços reconciliadores e orienta todo o discurso no bem maior da nação e do mundo. Momentos grandes que são escola de vida e de sabedoria.
3. A democracia, como modelo possível na história, enriquece-se nesta nobreza de gestos, a que vale a pena juntar as palavras de Obama que pede ajuda a McCain na resolução dos grande problemas a enfrentar. Ficou patente que, após uma campanha aguerrida, não se tratavam simplesmente de pró-formes ou de simpatias de cumprir o protocolo mas de um verdadeiro sentido da política como serviço à comunidade, esta a palavra “mágica” que formou Obama no amor e na educação. A sociedade democrática aprecia estes sinais!

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O FIO DO TEMPO
Obama, a força das ideias
1. Não há dúvidas que o passo histórico dado na eleição de Barack Obama merecerá grandes estudos. A democracia americana, com os seus valores e limites (como todas as democracias) dá uma grande prova de vitalidade. É verdade que a conjuntura se foi proporcionando para o refrão «we can, we change». São muitas, hoje, as revistas no escaparate que proporcionam o entender a vida de Obama e donde provém a sua força corresponsável como líder de ideias. Mesmo acima de toda a poderosa máquina do marketing político ou da lógica coisificante económica, a verdade é que as ideias estão vivas e deram uma enérgica resposta ao serem coroadas de êxito…
2. O retrato da vida da família de Obama e a sua eleição como 44º presidente dos EUA encarnam quase uma face mitológica. O triunfo dos simples do novo líder tocará semelhanças com o libertador Martin Luther King ou com o Kenedy que deixou órfã a América. A eleição da sabedoria deste homem afro-americano deixa antever que será seguido passo a passo, e mesmo com toda a legitimidade democrática da razão política, será sempre estreita a sua porta no patamar da emoção sócio-cultural… Obama soube tornear muitas questões; campanha é campanha, governar será diferente. Os seus primeiros discursos deixam transparecer um claro realismo, como quem diz que o caminho não será nada fácil. Este discurso faz baixar à terra a euforia dos seus apoiantes e quer ser promoção e empenho de todos…
3. A sua matriz intercultural, do ADN às ideias geradoras de pontes comunitárias, é um admirável sinal para os tempos de globalização. Este mundo, em ansiosa busca de regulação, não se compadece com o isolado unilateralismo que ficará como imagem de marca Bush. A «força das ideias» têm conduzido Obama e conduziram-no ao poder. O mesmo povo que havia eleito a «força das armas» aposta na mudança. Que nenhum «11 de» perturbe o «sonho» comunitário de Obama. O mundo saiba acolhê-lo!

terça-feira, 4 de novembro de 2008

O FIO DO TEMPO
O vulcão dos bairros-de-lata
1. A mobilidade populacional, na procura de uma vida melhor, foi-se e vai-se concentrando nas cidades. Quantos postais denunciadores das desigualdades mostram as grandes torres ao fundo e as barracas e favelas da pobreza ao perto. A prestigiada revista Além-Mar (já no seu ano 52 – www.alem-mar.org) trás no rosto da última edição (nº 575, Novembro 2008) uma dessas imagens do estendal da pobreza nos subúrbios da grande cidade. O título perplexo diz: Bairros-de-lata, vulcões prestes a explodir. Vêm, assim, um complexo conjunto de problemáticas, em difícil conjuntura, desinstalar aqueles que vivem instalados numa concepção de bem-estar só para alguns…
2. O acentuado êxodo rural (do abandono da interioridade), as calamidades naturais que arrastam populações na luta pela sobrevivência, as guerras e perseguições que ainda existem em muitos países do mundo e que geram multidões de refugiados, a grave crise económica e financeira actual que aumenta tremendamente o fosso, o decrescer para a pobreza das classes médias…conjunturas de um renovado (e velho) mapa de preocupações. O avolumar das incertezas, das precaridades, a ausência de oportunidade justas como trampolim para o auto e hetero-desenvolvimento trazem para a praça pública das ideias e cidades o desafio da sobrevivência que, no fundo, de transforma numa nova aprendizagem do exercício da subsidariedade (do ensinar/aprender a pescar) e da solidariedade (do pão e água da sobrevivência diária).
3. Sente-se, também diante da conjuntura de crise financeira (que espelha a crise e a necessidade reguladora de ética mundial), que são necessários novos paradigmas globais de resposta para as novas problemáticas universais. Os múltiplos mecanismos sociais (da ciência às religiões, das economias às políticas) haverão de saber mais construir o fortalecer do “dar as mãos” na busca de inspiradas e humanísticas soluções. Ou teremos de aguardar até às reuniões dos G7, G8, 10… terem de fugir para a lua?!

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O FIO DO TEMPO
Magalhães: O antes e o depois?
1. Talvez o magalhães resista ao choque ou à água, mas não resistirá ao utilizador. Qualquer dia alguém escreve uma peça teatral e dá-lhe o nome “no princípio era o Magalhães”! Entre o mérito e o excesso, entre a oportuna aposta estratégica no futuro das tecnologias e uma “magalhenite” vai muita distância. Está provado que os portugueses agarram facilmente as novidades das tecnologias, que o diga a rápida massificação que o telemóvel atingiu. Por isso, mais que o publicitar até ao rubro da nova conquista tecnológica lusa, terá de haver lugar para a formação do seu utilizador. Para já não falar de qualquer dia a imagem de marca de um país ser o magalhães novo numa escola onde chove ou há frio que congela os dedos e os teclados.
2. Compreende-se, para nós que estamos habituados ao pessimismo de velhos do restelo, um certo puxar para cima apologético como eixo de motivação ou distracção. Mas, vale a pena perguntar pelo antes e pelo depois, e se o que está em causa é mesmo consistente ou é passo maior que a perna educativa. Seja claramente dito que uma boa parte da percentagem da crise financeira actual (para já não falar da última de um banco português apanhado em falsos negócios…), verdadeiramente, provém de áreas sábias no manusear das mil e umas tecnologias virtuais da comunicação. Como todas as coisas, o magalhães pode ser óptimo ou péssimo. Como em todos os instrumentos, tudo depende do utilizador e a verdade é que há uma desproporção como se de uma falésia se tratasse. Investe-se tudo na máquina, pouco no Ser.
3. É incontornável que o futuro passa pelas comunicações em processo de mega massificação. Mas esta, antes que seja tarde demais, para um dignificante futuro verdadeiramente humano, precisa do grande investimento numa rede humanista onde o utilizador assim como cresce rapidamente na aprendizagem da “coisa” cresça no patamar das responsabilidades. Ainda vamos a tempo? Sejamos realistas, atentos em prevenção…

domingo, 2 de novembro de 2008

O FIO DO TEMPO
Obama Multilateral
1. Estamos a horas de saber quem será o novo presidente dos EUA. Tantas eleições que existem em tantos países ao longo de todo o ano, mas, contra factos não há argumentos, o certo é que o mundo aguarda a todo o momento por esta eleição. O mega espectáculo das campanhas que gastaram mais milhões (e humor) que nunca está concluído. Toda a conjuntura pós-11 de Setembro 2001 gera, talvez como ilusão, um carácter decisivo nesta eleição. A marca registada “Bush” ao longo de oito anos é torneada até pelo candidato republicano. Das palavras-chave escolhidas por Obama talvez seja “change” (mudança) a ideia mais sublinhada, como estratégia de despertar a motivação cívica das gentes de um país de contrastes.
2. Na preparação das campanhas ao milímetro, o mundo foi surpreendido com uma obamania que, por exemplo, da Europa de Berlim, arrastou uma multidão de cem mil pessoas. Enquanto isto McCain, experiente em cenários de guerra a que sobreviveu, tem o difícil deserto de dizer que tem uma proposta diferente de Bush e que a experiência de vida vale tudo. Talvez tenha sido a entrada em cena dos vice-presidentes o momento decisivo nesta campanha. Obama convida alguém experiente em política externa consolidando-lhe amplitude de multilateralismo numa visão de mundo como busca dos grandes consensos. McCain, surpreendeu com o ar fresco de uma vice-presidente, que, de tão repentina, seria sol de pouca dura!
3. É certo que crise financeira internacional veio dar votos à “mudança” proposta por Obama. Mas não se pense que ele é um inexperiente; como alguém há dias dizia, um inexperiente não chega a este sábio patamar. Estas semanas também foram oportunidade de conhecer a vida dos candidatos. A Europa (e, no fundo, o mundo) prefere de longe a história do criador de pontes multilaterais (como Obama em Chicago...) que a força de domínio unilateral...Daqui vimos nós! Parabéns Obama, se a mudança for esta já vale a pena!

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
Uma pausa, uma flor!
1. De forma especial estes dias serão dias da memória que nos interpela e da paz que reconforta. Como que os nossos ente queridos (que algures no “tempo” da história de vida nos deixaram) nos proporcionam uma pausa de reflexão e elevação. Se vivêssemos do outro lado do mundo poderiam ser outras as “pausas” propostas, mas no mesmo sentido de acolher uma dignidade da vida humana que deseja continuar, mesmo para além do tempo e do espaço. O desígnio da eternidade, o anseio existencial profundo de quem quer viver para sempre! Quem não o quer?! Ficou gravado, de há bastantes anos, um belo pensamento de Michel Quoist, estudioso sistemático destes assuntos; dizia ele: «Só o amor é capaz de construir para a eternidade!» Simples e grande…
2. Faz parte da boa tradição viva realizar uma pausa no (possível) stress da vida que as sociedades foram “complicando” e, nestes dias 1 e 2 de Novembro, reencontrarmo-nos num gesto de ternura para com os que nos deram a vida e os valores que hoje “transportamos”. Muito acima do clássico discurso das circunstâncias de que “as flores oferecem-se em vida”, e ainda muito acima dos variados excessos que possam porventura existir nestas coisas… cada vez mais, no tempo que vivemos, é preciosa a partilha de um gesto, uma palavra, um sentimento, uma flor, uma vela! Agarremos o que pode unir e motivar à esperança, este um valor que nos vem do infinito e que nos quer conduzir pela via do “amor” generoso que tudo pode resgatar…
3. Esse recolhimento, rico de memória e em paz, faz-nos mesmo apreciar o essencial da vida, muito acima de todas as mil coisas. Teresa de Calcutá dizia que «um dia seremos considerados não pela quantidade de coisas que fizemos mas pelo amor que colocamos naquilo que fazemos.» Não é pela quantidade nem pelo discurso; serão a qualidade de sentido de vida como serviço a escola do futuro absoluto. Disse-nos Ele, Alfa e Ómega, que não há fórmulas… Cada flor signifique essa procura!

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
Festivais de Outono
1. Por vezes pode passar a vida sem que apreciemos o melhor que a vida nos pode dar. Se conhecer e “correr mundo”, para quem tem essa possibilidade, é algo de absolutamente maravilhoso, não o será menos o apreciar da beleza das artes. Na história da arte está a própria história da Humanidade, no que ela terá de melhor. Quando entramos a fundo em determinadas áreas de conhecimento sentimo-nos absolutamente pequenos e, afinal, o quanto pequena é a vida para tamanha grandeza do insubstituível património que serão para nós as artes. Ao mesmo tempo, soa a estranho (e depois entranha-se!) uma certa indiferença de muita mentalidade pragmática actual em relação às artes… Corremos tanto que por vezes apreciamos e vivemos tão pouco!
2. Aveiro, de 24 de Outubro a 21 de Novembro, tem o privilégio de acolher mais uma edição dos FESTIVAIS DE OUTUNO www.ua.pt/fjjm. Da organização da Fundação João Jacinto de Magalhães (UA), esta persistência cultural é meritória. São anos continuados de proposta e da criação de um conceito “Festivais de Outono” que é uma oportunidade de realizar uma admirável viagem através da música. Aveiro e sua região ainda não têm muitos conceitos culturais congregadores, abrangentes e mobilizadores para uma dinâmica da cultural como saber, progresso e desenvolvimento. Sentindo a quadra da “queda da folha” como propícia oportunidade para o aconchego cultural e musical, a proposta percorre um mês de iniciativa aberta à comunidade.
3. Quase que diremos aquele “vá para fora cá dentro”, como quem aprecia o bem cultural que se procura consolidar. Em vários locais da cidade, vários autores de renome musical mundial, muitos intérpretes credenciados e diversas entidades a apoiar, os FESTIVAIS DE OUTONO são a proposta para a quadra das castanhas. A iniciativa meritória para os aveirenses tem sucesso garantido! Participar é um privilégio cultural!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
O debate plural dos Valores
1.
É saudável quanto natural e mesmo importante que nem todos concordem com tudo. Seria monótono um unanimismo social que poderia asfixiar a liberdade do próprio pensamento e reflexão. Mas, todos hão-de considerar que sobre determinados assuntos essenciais da vida em comunidade o esforço do consenso é tarefa insubstituível. Este é um debate sempre aberto (?), no discernimento das ténues fronteiras entre o querer e o dever, o indivíduo e a comunidade. O facto lógico de que o que para algumas sociedades é um Valor para outras não o é não deve deixar à deriva o debate dos valores. Este anseia por horizontes de abertura de espírito para sua realização.
2. Considerar-se a relatividade dos valores (em termos de tempo e espaço) no seu existir sócio-antropológico não pode ser confundido com o relativismo de tudo o que pode esbarrar para a ausência das próprias referências ético-sociais. Felizmente algumas instâncias credíveis, reconhecidas e visionárias sobre o essencial para o futuro humano vão lançando na praça pública o debate dos valores fundamentais, este que persiste em não ser pacífico, talvez porque a pequenez do olho humano veja nele mais o “cisco” da fronteira qualificada de moralista que a nobre abrangência da procura situada dos valores essenciais para a Humanidade se entender no caminho. Esta atenção ao particular que divide e dificuldade em perscrutar o universal do mundo que somos é, por si, sinal do fechamento que aprisiona.
3. Temos dado ecos da pertinente Conferência Gulbenkian «Que valores para este tempo?» (2006). Destaquemos agora a UNESCO que nos seus Debates para o Século XXI, sob a direcção de Jérôme Bindé, questiona «Para onde vão os Valores?» (2006, Piaget). Se o primeiro passo é enfrentar o debate sobre o (valor dos) Valores, o segundo será perguntar se eles dependem da mera estatística social e cultural ou se têm um estatuto (ético) próprio (?) … Sim, dá pano para mangas!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
A Nossa Casa de Egas Moniz
1. Aprendermos dos valores de quem, da nossa terra, deu “novos mundos ao mundo” é uma essencial tarefa zeladora do património único que nos cumpre preservar. Se não cuidarmos das nossas próprias raízes e dos valores aí reconhecidos quem o fará?! Este gesto devido para com os que ergueram a nossa identidade regional assume-se como um desígnio que não tem fronteiras ideológicas; merece a admiração e o apreço de todos. Em boa hora, no dia de anos (59º aniversário) do 1º Nobel Português do cidadão avanquense Egas Moniz (1874-1955), é lançado envolvente projecto do 60º aniversário da atribuição, ocorrendo a reedição pela autarquia estarrejense da sua obra autobiográfica «A Nossa Casa», cuja 1ª edição data de 1950.
2. Renova-se diante de todos a oportunidade de melhor conhecer António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, na sua matriz de valores familiares, na coragem inspirada de sua vida de trabalho (como investigador, médico, neurologista, professor, político, escritor), na riqueza da simplicidade típicas das pessoas efectivamente grandes. As suas primeiras palavras da autobiografia são: «Este livro é a história de uma família provinciana a que o autor pertenceu.» A infância de Egas Moniz foi difícil, também propiciadora de partir para estudos num seminário da Beira Interior. Um conjunto de acontecimentos familiares tê-lo-ão despertado para o grande compromisso e inadiável responsabilidade de cada dia.
3. Se habitualmente se sublinha a atribuição honorífica do Nobel da Medicina, tem pertinência cada vez mais actual o conhecer e o apreciar dos valores humanos e sociais que estão por trás de génios como Egas Moniz. Esses valores e princípios ultrapassaram a visão do cientista fechado no seu laboratório. Seja a sua intensa actividade cívica despertada quer nos bancos das escolas em educação quer na vida em sociedade. Que esses valores da participação e do sentido de Humanidade brilhem bem alto!

domingo, 26 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
A proximidade com o “Outro”
1. O Ano Europeu para o Diálogo Intercultural (2008) quer ampliar a consciência de que vivemos num tempo de novos desafios. As novas formas de comunicações actuais coloca-nos numa “mesa comum”, gerando as próprias crises grandes oportunidades de reajustamento (con)digno à nova realidade social. A pergunta do livro dos Génesis “onde está o teu irmão?”, actualizada há 2000 anos no episódio do samaritano sobre “quem é o meu próximo?”, tem hoje o mesmo lugar insubstituível da procura de um relacionamento humano saudável, que sabe dar primazia à Pessoa na sua situação. Não se trata de um refrão pré-definido, mas de uma aceitação incondicional do “encontro”, como abertura de espírito à diversidade...
2. No âmbito do programa Distância e Proximidade, decorre nos dias 27 e 28 de Outubro (com transmissão on-line, em directo: www.gulbenkian.pt) a Conferência Gulbenkian sobre a temática: “Podemos viver sem o outro? – As possibilidades e os limites da interculturalidade.” A pergunta fundamental quer nortear a reflexão e encaminhar a acção educativa. Sublinha em entrevista o Comissário da Conferência, Arjn Appadurai, que «hoje, o “outro” chega-nos sob muitas formas», para além das formas consideradas clássicas como as mobilidades humanas. A pergunta radical da Conferência, significando a própria fronteira do debate intercultural, quererá merecer uma resposta estruturadora que se escreva não meramente numa linha de sobrevivência humana mas de apreço condigno na riqueza da diversidade pessoal e cultural.
3. Em última instância, a interculturalidade é profundamente desestabilizadora. Fomos (?), aos diversos níveis de organismos sociais, educativos, políticos e religiosos, habituados a caminhar numa uniformidade de ter tudo “certinho, direitinho”. Diante das impressionantes mobilidades, quer reais como virtuais, teremos de “rever” o nosso esquema à luz do essencial humano. Somos capazes?

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
A «situação espiritual»
1.
Recentemente chegou-nos às mãos a colectânea das conferências da Conferência Gulbekian que de 25 a 27 de Outubro de 2006 assinalou os 50 anos da Fundação. O pertinente e corajoso título, «que Valores para este Tempo?» trouxe a Portugal nomes grande da reflexão actual. Por trás da idealização da iniciativa, vale a pena apercebermo-nos da reflexão do grande e reconhecido pensador que foi Fernando Gil (1937-2006), entretanto falecido, não chegando a participar no congresso que fora convidado a preparar. Começava deste modo a reflexão de abertura de Fernando Gil: «Perante a angustiante “situação espiritual do nosso tempo”, diagnosticada há muitos anos por Max Scheler (1774-1928) […] parece oportuno interrogarmo-nos sobre o que se pode chamar, sem exagero, uma crise geral do sentido.»
2. Ideias estas tão importantes que, numa busca de coerência, nos farão reflectir, nos vários níveis de pertença social, sobre as necessárias interrogações. Não como quem paralisa na dúvida, mas como quem a sente viagem de descoberta. Se formos pela rua fora sobre o que se pensa da “situação espiritual” do nosso tempo arriscamo-nos a ser surpreendidos com posições que podem tocar, de um lado ou de outro, um certo extremismo de posições; como reacção crítica ou como aceitação acrítica. No fim de contas, e para que a vida tenha sentido, a busca de sentido é a tarefa mais importante da vida. A asfixia espiritual, por determinados conceitos ou preconceitos (?), continua a ser o reflexo dos fechamentos que são sementes de exclusão e intolerâncias. É urgente refocalizar o centro dos debates…
3. Uma dinâmica, como que sem contraditório, faz com que quanto menos se reflecte menos apetece pensar e reflectir. As faces técnicas e “fazedoras” da vida não darão as respostas essenciais ao nosso tempo, somente as respostas instrumentais. Não deixemos que o ser humano se instrumentalize ou ‘subjectivize’. Há tempo e lugar?

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
O espírito das Leis
1. A consumada aprovação da tida moderna Lei do Divórcio, mesmo com as temerárias reservas presidenciais, sugere uma continuada reflexão sobre o papel das leis na sociedade actual. É debate antigo, tanto quanto as leis fazem parte do caminho humano. Após tantas vozes que apressadamente aplaudem a aprovação prática do divórcio e outras que a sabem questionar e renegar lendo nela um menor sinal social dado à comunidade, tem sentido lançarmos as questões que nos podem ajudar a perceber para onde caminhamos. Dá a sensação que chegámos ao tempo em que tratamos de questões humanas como se de coisas práticas se tratassem. Nestes cenários a óptica da necessária corresponsabilização tem tendência a diluir-se…
2. O filósofo francês Montesquieu (1689-1755) no ano de 1748 publicou a obra Do Espírito as Leis. Aí sugere as suas concepções sobre as formas de governo, o exercício da autoridade política e as doutrinas básicas da ciência política que viriam a exercer profunda influência no pensamento moderno, inspirando a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Pelos frutos de nacionalismos europeus vindos da Revolução Francesa claramente nos apercebemos que o “espírito” subjacente à Lei foi-se orientando mais numa busca pragmática que pedagógica. Temos, em diversos quadrantes, observado que as leis têm vindo mais legitimar práticas de maiorias (do que seja…) que estimular perspectivas apelativas e éticas de vida em sociedade.
3. Sucedem-se, por um lado, as lógicas criminalistas, de produção legislativa para tudo; por outro, em termos de educação e formação prefere-se um neutralismo que acaba por representar o avançar no vazio que esvazia. Sabe-se que nem tudo o que é legal é eticamente consistente e plausível. Sente-se estas fronteiras a serem esbatidas, será pela urgência de resolver as coisas práticas, como que secando as raízes existenciais. Preocupante? Ou já nem sequer?

terça-feira, 21 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
O retorno das filosofias?
1. Foi uma agradável surpresa de há dias o facto de no Brasil haver uma forte aposta, em termos educativos, na área de filosofia. Nas escolas dos vários níveis ela pertence aos programas dos sistemas (abertos) educativos, sabendo-se da importância do pensar para melhor compreender e agir. As próprias ciências sociais, humanas, políticas, psicológicas e neurociências, todas as abordagens da própria analítica tipológica dos comportamentos humanos precisa do horizonte interpretativo que a profundidade sistemática da reflexão filosófica propicia. Dos lados orientais do planeta esse potencial filosófico está garantido como inalienável património cultural. No ocidente fomos querendo instrumentalizar tudo, colocando na prateleira esta face pensante e reflectida da vida.
2. Ainda que tenha lugar um olhar crítico de suspeita sobre as visões metafísicas da filosofia, o facto é que tanto a ansiosa busca de sentido como sucessos literários semelhantes ao livro de Lou Marinoff (2002), Mais Platão, Menos Prozac, são bem reflexo dos desafios da realidade do tempo actual. O castelo social precisa de alicerces, a humanização dos sistemas de um fundamento condigno, a subsistência das éticas, a plataforma das religiões e das políticas…tudo o que move precisa do pensar e repensar como atitude filosófica espontânea comum que, para alguns, atingirá a capacidade sistemática de organização como pensamento a ser proposto. A urgência de pensar o agir é premência contínua mas ganha tanto mais pertinência quanto mais acelerada for a vida pessoal-social.
3. O desafio da quantidade dos tempos presentes precisa da garantia de qualidade. Esta, como dinâmica inspirada de reinvenção, provém do rasgo e da capacidade indispensável do pensamento. Não admira que países como o Brasil apostem na tecla certa para um desenvolvimento valorativo e uma humanização social de futuro. A tecnologia vai estando garantida. A filosofia, que lugar (nos) ocupa?

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
A construção do optimismo
1. O ser humano pode ir à lua mas a mais decisiva viagem não precisa de tantas distâncias. As mudanças de época, o “fin de siècle”, como dizem os especialistas, são tempos prodigiosos mas perigosos em que a velocidade dos acontecimentos não permite o tempo necessário para os amadurecimentos devidos. Nestes contextos, vai-se gerando um ambiente psico-social em que quando todos querem chegar primeiro os que chegam em segundo sofrem o impacto da insatisfação. Por isso, não é por acaso que às grandes mudanças de época corresponde habitualmente um certo pessimismo humano (antropológico). Também pela fugidia ilusão de, finalmente, um tempo de total prosperidade…
2. Nos grandes saltos que o mundo dá, outrora como na actualidade, espera-se tudo das novas condições criadas, até de ciência, tecnologia e desenvolvimento humano; mas o “depois” é catarse de crise pois que esse projecto não alcançou a sua meta desejada. Para contrariar os pessimismos, muitas vezes em diversos fórum’s, diz-se que nunca se viveu tão bem como na actualidade, com condições de saúde, educação, ciência e tecnologia, pão, água; na generalidade, é verdade! Então vale a pena perguntar: porquê os pessimismos? Talvez na raiz desse pessimismo persistente esteja a verdade perturbadora de que com todas essas condições que temos poderíamos estar bem mais acima em termos de Humanidade…
3. O mais desconcertante, ainda, é o facto de que o optimismo mobilizador ou o pessimismo paralisante não dependem da lógica do ter ou do dominar mas do ser, sentir. No mundo actual onde o pessimismo mais reina é nas sociedades habituadas a todas as mil e uma condições e regalias. Torna-se um imperativo o aprender a viver com optimismo especialmente nas circunstâncias mais adversas. Não existe a fórmula da esperança nem da motivação. A perseverança, sendo valor que também se aprende, cultiva-se no mais profundo do ser.

domingo, 19 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
Pastores do ser e do agir
1. A feliz expressão “Pastor do Ser” provém de Martin Heidegger (1889-1976), autor da grande obra metafísica “O Ser e o Tempo” (1927) e, já no contexto de Europa destruída a restaurar, autor da magistral “Carta sobre o Humanismo” (1947/49). Todos sabemos que não há agir consciente e consistente sem antes ser levado ao pensamento, à ordem do Ser; e todo o pensamento acabará por ter reflexos na acção. Quando determinadas acções manifestam superficialidade e precipitação será porque o Ser, vivendo pela rama, vai secando... A lógica do ter e do parecer tem avançado por territórios destinados ao Ser. Facto este que se manifesta em esperanças desfocadas e projectadas mais na linha do poder e da afirmação do ter que da generosidade em Ser.
2. Valerá a pena perguntarmos sobre “quem nos ensina a Ser?” A noção de “Pastor do Ser” não é impositiva mas baseia-se na proposta livre e fundamentada no patamar de uma racionalidade dialogal. “Pastor” não significa dominador, antes pelo contrário: representa aquele que propõe de tal maneira aliciante algum horizonte que, na liberdade, este é seguido pelos que se identificam com o seu projecto. Assim, a decisão está sempre do lado de quem escuta e não vem de cima, por imposição. O desenvolvendo desta dinâmica, num carácter insubstituível do discernimento e da opção de quem quer seguir este ou aquele ideal, tem como pano de fundo uma comum busca da Verdade para a Humanidade, na qual o pensar a vida é tarefa andante, pastoreante...
3. Quanto mais o pragmático inundar os “lugares” do Ser mais difícil será a garantia da responsabilidade da liberdade. Os ambientes das educações na sua pressuposta pluralidade de visão crítica – do Ser ao agir – quererão gerar despertadoras oportunidades vivas, dinâmicas, responsáveis, reflectivas, racionais e emocionais, diante da diversidade de caminhos… Mas que lugar é dado ao pensar para melhor optar/agir?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
João Paulo II, há 30 anos
1. Com o passar do tempo aprecia-se melhor a grandeza das pessoas. É normalmente assim. O tempo e as memórias ajudam a apurar o verdadeiro significado dos gestos e das palavras. Há 30 anos, a dia 16 de Outubro, iniciava o seu pontificado o homem de Cracóvia. João Paulo II é, indubitavelmente, uma das maiores personalidades da Humanidade do séc. XX. Afirmam-no, também agora que a distancia crítica é maior, gente dos variados quadrantes religiosos e sócio-políticos. Karol Woityla, na sua vida inteiramente doada, ajuda-nos a compreender a grandeza de um homem simples que soube cada dia viver com os pés na terra mas ancorado nas ideias dos “céus”.
2. A abertura do mundo (explicitamente) à era da globalização assinalado em Berlim (1989, queda do Muro de Berlim), a sua visão crítica e ética tanto do comunismo como do capitalismo, o acompanhar os progressos das comunicações (o primeiro Papa global), a mensagem da insistência pela Paz como desígnio e o diálogo ecuménico e inter-religioso como tarefa (Encontros de Assis), entre tantos outros, são factos que elevam João Paulo II; mas importa ir à raiz da sua acção. É a escola do serviço como exercício inalienável (fermento discreto e tolerante) do ser humano, do ser pessoa, do ser cidadão, do assumir uma filosofia e uma religião, do professar fé personalizada, do ser cristão.
3. Não há incompatibilidades entre religiões, sociedades, políticas e sistemas sociais quando se procura, efectivamente, a Verdade da Humanidade. Já as cegueiras unilaterais são o fim… Os sistemas fechados, bloqueadores ou aniquiladores da liberdade de pensar e agir foram desafiados à completa superação pelo homem de fé inteiramente livre que foi João Paulo II. Com o passar do tempo e a percepção de novos fechamentos (e mesmo de neoconservadorismos religiosos) pós-11 de Setembro, os anais da história ditarão em João Paulo II o autêntico profeta a seguir, peregrino da esperança e da paz na (Verdade da) Humanidade.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
A roda da Alimentação
1. Temos o privilégio de nos alimentarmos com regularidade neste lado do mundo. Tal facto também quer ter um rosto apreciador e cooperante dos que muito têm para os que nada têm para comer. Se nunca sentimos fome jamais compreenderemos o grito da angústia faminta. Pura e crua verdade! Desde 1981 que o dia 16 de Outubro é o Dia Mundial da Alimentação, efeméride celebrada em mais de 150 países do mundo. É uma rica ou pobre oportunidade para reflectir sobre os excessos e a escassez dos alimentos na vida das populações. Cada ano a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura apresenta relatórios e propõe soluções.
2. Faz-nos bem a nível local apercebermo-nos da problemática global. Um novo conceito «glocal», que alia as duas, dinâmica provinda do grito ecológico «pensamento global, acção local» gera oportunidade de despertar, logo a partir das mais tenras idades, para o valor dos alimentos e o privilégio da alimentação. O que se desperdiça nos «restos» de comida dá para garantir VIDA a muita, muita gente… Sabermos desta realidade não pode soar a qualquer “moralismo” vazio pois o que está em causa não são ideias mas é própria sobrevivência. Também o facto de não termos as soluções todas à mão e da distância geográfica ser muita não pode desmobilizar nesta causa de todos.
3. Diz-se, volta e meia, que em Portugal há mais de 200 mil pessoas passam fome, e que na conjuntura de crise a pior fome continua a ser camuflada. Na possibilidade discursiva do relativo das estatísticas também se ergue o absoluto de mais se sensibilizar para se viver pessoal e socialmente uma certa «nobreza» simples e generosa, evitadora dos milhentos supérfluos que até fazem mal à saúde. Saber-se alimentar bem não condiz com aquele anúncio publicitário em que uma criança no intervalo da escola deitava a sandes fora e comia o chocolate «kinder». Não (nos) enganemos!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
O umbigo da Extrema riqueza
1. As crises económicas geram sempre oportunidades de rever hábitos e processos de injustiça que se foram instalando até serem tidos como “normais”. Notícia de última hora que ouvimos agora era o caso do treinador do milionário Inter de Milão (José Mourinho) estar interessado nos serviços de Pepe, jogador do todo-poderoso Real Madrid, cuja cláusula de rescisão está num patamar de 150 milhões de euros. Neste género de escândalos (com os dias contados, esperemos!) pode-se juntar toda a novela marco-económica de Cristiano Ronaldo, dos 100 milhões de Euros dispostos a dar pelos madrilenos ou dos 150 milhões que o Manchester City disse há semanas garantir. Pode-se, ainda, juntar os milhões do petróleo de Abramovich, este que garante a vida de rico do Chelsea.
2. Tudo precisa de ser revisto. A crise destas semanas tem este lado positivo: nada pode ser como dantes, é o novo imperativo ético das sociedades actuais. Não só neste mundo das emoções do desporto ou do espectáculo mas dos próprios vencimentos de gestores e administradores de todos os sectores de actividade humana. A “mão salvadora” aplicada nestes dias, na generalidade pelos estados provindo dos contribuintes, obriga, como refere a Chanceler Ângela Merkel, a uma revisão de todo esse processo, dos altos vencimentos às mega-reformas. Quem não se lembra há dias do escândalo das rápidas férias de luxo (até aos 300 mil euros gastos) de alguns ex-administradores da recém-falida seguradora AIG?!
3. O umbigo, qual resort, dos que crescem desmedidamente às custas sabe-se lá de quê(m) é o novo escândalo gritante. A Consciência Humanitária emergente grita aos “ouvidos” que vivem na Riqueza Extrema que parem e olhem para o lado. Se não o fizerem qualquer dia terão de fugir para habitar noutro planeta. A distribuição dos bem essenciais à sobrevivência de todos os seres humanos não é uma “caridadezinha”, é uma questão de JUSTIÇA. A (r)evolução nasce aí!

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
O significado de Família
1. Uma das questões que salta à vista nos debates sobre as pretendidas alterações legislativas para o casamento de pessoas do mesmo género é a confusão, que faz despertar a urgência, em se considerar o que é a família ou o que não o é. O aliciante táctico das temáticas ditas de fracturantes, chamando de modernidade a cada nova fractura, é o novo aliciante de algumas convicções políticas. Por trás dessa modernice está o pano de fundo ideológico da rasgada “liberdade” em desprestigiar, quando não até ridicularizar, tudo o que tem o nome de tradicional. Nas modas, novelas e cinemas, a família, comunidade primordial, sofre as maiores afrontas…
2. Chamar-se intencionalmente de «família tradicional» à família de sempre será o maior engano que se vai multiplicando. Também é estratégica a colagem à noção única de família de outras formas de contratos (ou mesmo sem estes!). Encostando-se à família como comunidade vital e consagrada, reivindica-se um conjunto de direitos (afastando-se os deveres) para assim conseguir levar a água ao moinho, até no plano legal. Se todas as formas de vida merecem o saudável e tolerante respeito, todavia, todas as opções, eticamente, quererão ser aprofundadas à luz da consciência e dignidade humana, e não ser trampolim ideológico-político ou bandeira de generalização social.
3. A família com o pai, mãe, filhos, filhas, netos, avós, tios, merece hoje uma forte apologética em sua defesa, para o bem social. As novas formas que esquecem a diversidade (até de género) são já o reflexo da ausência em fechamento das complementaridades, facto que empobrece o ideal da experiência humana. Os tempos sociais são de não pensar muito e de juntar tudo no mesmo saco, e puxar pelo nome família para reivindicar direitos. Salvo o devido respeito, em consciência recta, não será por aqui que o tecido social conseguirá garantir um conjunto de princípios e valores insubstituíveis às comunidades… A caravana passa!

domingo, 12 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
O Diálogo Nobel da Paz
1. A mediação e o diálogo foram reconhecidos com o Nobel da Paz 2008. Teoricamente defendem-se os diálogos: ecuménicos, inter-culturais, inter-religiosos, e até estamos em 2008 – Ano Europeu para o Diálogo Intercultural. Na prática concreta, eles continuam a ser olhados com desconfiança, medo e mesmo mesquinhez, como se a aceitação clara do diálogo para determinados sectores da vida das sociedades significasse a perca da própria identidade. Quando tal acontece – e esse receio persiste – estamos diante de identidades fechadas; qual cegueira que impede o aprofundamento do seu essencial, este que gera pontes de entendimento e cooperação com as outras diversidades. A actualidade respira este desejo do diálogo mas também este lento impedimento bloqueador da ilusória segurança.
2. Felizmente a academia elegeu a capacidade de MEDIAÇÃO DE PAZ como digna de mérito, no sublinhar os rasgos máximos da conciliação humana. O professor, antigo presidente finlandês, Martti Ahtisaari, que ao longo de três décadas realizou numerosas mediações (re)conciliadoras em três continentes, tendo sido eleito entre 197 personalidades e organizações, é o laureado deste ano com o Prémio Nobel da Paz. Nasceu na Rússia, a 23 de Junho de 1937 e, diz-se pelo seu percurso, andou desde criança com a mala às costas, como peregrino da reconciliação dos povos e da Paz. Com 71 anos de idade, este Santo dos tempos actuais, coloca no mapa dos destaques internacionais as práticas de diálogo, mediação e cooperação como o caminho…
3. Da nomeação Nobel recorda-se que Martti Ahtisaari teve uma série de sucessos nas mediações de paz tendo sofrido um importante revés, o Kosovo. Também esta mesma realidade sofrida nos ajuda a compreender que os percursos da história não são lineares mas têm recuos e que, por isso, também na complexidade das conjunturas actuais o diálogo como plataforma de encontro superador vale mais que todo o crude do mundo! Seja!

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
(Des)Envolver
1.
Na noção de desenvolvimento juntam-se todas as ideias e práticas que querem confluir no progresso de todos e de cada um. A Cimeira do Milénio do ano 2000 ergueu oito grandes objectivos a serem atingidos até 2015, os chamados Objectivos de Desenvolvimento do Milénio que foram aprovados por todos os 189 Estados Membros das Nações Unidas. Nesta semana, também entre nós comunidade local, eles merecerão destaque especial, tanto como sensibilização comunitária como na perspectiva de acção solidária. Se mais uma gota de solicitude entrar neste oceano de paz e solidariedade que todos queremos que cresça, então valerão sempre a pena todas as iniciativas e boas vontades que se manifestam. Venham para ficar!
2. Também as circunstâncias da presente história sócio-económica que se vai escrevendo obrigará ao despertar da nova consciência capaz de estruturar as soluções mais a partir da realidade concreta que dos planos teóricos. Os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio trazem consigo essa carga de força político-educativa que se alavanca nas raízes do generoso serviço à Humanidade. Vale a pena elencar a nova carta de condução da Humanidade no séc. XXI, nos seus Objectivos: 1. Erradicar a pobreza extrema e a fome. 2. Alcançar a educação primária universal. 3. Promover a igualdade do género e capacitar as mulheres. 4. Reduzir a mortalidade infantil. 5. Melhorar a saúde materna. 6. Combater o HIV/SIDA, a malária e outras doenças. 7. Assegurar a sustentabilidade ambiental. 8. Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento.
3. Como lá chegar? Cada objectivo é um mundo. Sabe-se que, infelizmente, não chegaremos tão rápido e urgente quanto necessário. Mas, pelo menos, finalmente, estes Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, oito anos depois de terem sido aprovados, começam a chegar aos corredores da praça social. Todos os cidadãos Humanos são necessários. Quem dera que não tarde tantos anos esse desenvolver. Não será pela mágica mas na ética.
O FIO DO TEMPO
Escutar e agir a «Palavra»
1. Está em realização, em Roma, o Sínodo dos Bispos dedicado à «Palavra de Deus». O encontro mundial dos líderes das comunidades cristãs das Igrejas locais, também com participantes da comunidade judaica, é um acontecimento eclesial preparado e abrangente. Bem interpretar, aprofundar o sentido, sentir a «Palavra» como elo gerador de laços de verticalidade e horizontalidade, é dinamismo essencial que, pela sua riqueza, se manifesta em ecos sociais como pluralismo, tolerância, construção de paz. Nesta linha, cumpre apreciar o sentido da escuta sempre mais apurada em diálogo com os «sinais dos tempos», uma procurada rica vivência teológica.
2. É um facto culturalmente incontornável que a experiência de Abraão (há sensivelmente 3850 anos), como atitude itinerante de procura de sentido para a vida, marcou também a essência das raízes do Ocidente, com valores que se foram aprofundando e abrindo no sentido da liberdade histórica com códigos comuns em Moisés (cerca de 3250 anos a.C.) e na unidade comunitária ideal conquistada pelo Rei David (há 3000 anos). Se hoje falamos de dignidade humana em democracia, e das noções a elas pertencentes como a paz, fraternidade, justiça, amor, toda este conjunto de valores referenciais das sociedades actuais têm na viagem bíblica também a sua alavanca significativa.
3. As Mensagens e os Valores não são um dado instantâneo, como se fosse um processo «dois em um». Precisam de ser aprofundados, meditados, reflectidos. Apagar a memória histórica que nos precedeu e garantiu a preservação de um conjunto de valores e princípios será a mesma coisa que deitar a perder o tesouro dos pilares de um edifício. Acreditar que «tudo o que sobe converge» (Teilhard de Chardin) ajudar-nos-á a compreender que neste caminho não há dictomias, barreiras, mas complementaridades. Refrescar-se na «Palavra» superior (de Deus), quer significar subir em existência!

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
A identidade da “regulação”
1. Sem dúvida que um novo cenário de mundo vai emergindo. Com mais intensidade que a dialéctica natural da história, em que mesmo com os arrepios das contrariedades vai crescendo na dinâmica da ascese, a certeza é que os tempos actuais são de recapitulação. Esta, por si, costuma ser redefinidora das ideias e das práticas. Já não há dúvidas que nada será como dantes. Os factores em jogo nesta crise internacional, quase um 11 de Setembro da economia em que todo o mundo está em rede, farão dela o centro de muita reflexão sobre como nos relacionamos com os factores sócio-económicos neste início do séc. XXI, na contagem ocidental.
2. O ajustamento em curso terá na palavra «regulação» o novo «eixo da roda» em torno do qual o futuro próximo se vai desenhar. A releitura do séc. XX, no diálogo (agora mais serviçal que bélico) dos dois sistemas de mundo, terá a oportunidade de procurar a síntese. Se salta à ribalta real o falhanço da completa liberdade na «lógica de mercado», esta, na justa análise adulta e honesta, não pode fazer esquecer que as lógicas estatizantes aprisionam a fluência saudável, necessária e natural das trocas de bens. É oportuno fazer lembrar a palavra dos sábios. João Paulo II quando lançava o olhar crítico sobre o comunismo destacava também as falácias do capitalismo, quando desregrado.
3. O desafio da ética económica é o novo imperativo que se ergue. Até agora também o foi na teoria; mas agora na prática. A confiança a recuperar não assentará mais na especulação mas na credibilidade, e esta conquista-se na ética da intocabilidade dos deveres comuns. Também pode brotar o perigo da «regulação» insubstituível dos Estados (que falhou porque as economias assim ditaram…) vir a significar controlo ou mesmo domínio. É uma fronteira difícil mas essencial a resituar. O pior de tudo que poderia provir era o retorno dos paradigmas estanques. A verdade está no «meio» mas não abdica da ética universal. De todos!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
A caravela da motivação
1. Pessoas visionárias e motivadas geram projectos e envolvimentos ambiciosos. O contrário também é verdade: desmotivação atrai pessimismo, crise, incerteza, desconfiança, negritude, depressão, recessão. É preocupante observar-se que a conjugação desta sequência de palavras “negras” começa a ocupar espaço demasiado como se de uma nuvem chuvosa se tratasse. Os tempos económicos actuais são também esse reflexo consequencial de que a «pedra angular» da construção social tem sido colocada bem mais na sedutora face «material» do ter que nos valores profundos que dão sentido e Ser à vida. A cultura do efémero, do plástico, do «de repente» invadiu os territórios da sabedoria tirando-lhe o lugar.
2. De 85 anos de vida e 65 de partilha pública de ideias, o reconhecido ensaísta português, Eduardo Lourenço esteve nestes dias entre nós. Na Universidade de Aveiro e em Portugal, a convite do Centro Nacional de Cultura, sendo homenageado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Lourenço, estudioso dos valores e essências da mitologia clássica europeia e portuguesa, esteve no programa «diga lá excelência» (Público, RR, Canal 2). A sua entrevista (Público, 05-10-2008) é mais um contributo irrecusável para compreendermos quem somos, dos lados de crise aos de aventura, como necessidade de «sair» de si para (idealmente) se encontrar.
3. Destaca Lourenço que os portugueses lá fora são conhecidos pela «caravela». Vem essa imagem dos tempos do «milagre» de um país tão pequeno chegar tão longe nas descobertas. Comentava-se que esse milagre nos aprisionou, pois que nos viria substituir no compromisso diário de embarcar. Se «cada pessoa que se eleva, eleva a própria Humanidade», então as dificuldades de cada época trazem mesmo consigo esse ouro no crisol que pode gerar uma nova forma. A motivação não é um milagre que venha de fora; constrói-se no compromisso e no rigor diário a que nos habituarmos.

domingo, 5 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
A incompleta República
1. Fruto dos grandes diálogos com Sócrates (470-399) e da sua ética inalienável como coerente projecto pessoal e de sociedade, Platão (428/7-347) escreve A República. Obra colossal, matriz fundadora dos valores do Ocidente, também na convergência com o espírito da incontornável tradição histórica judeo-cristã, A República quer ser a viva aspiração humana de uma sociedade inclusiva onde não existisse lugar para a rejeição. Nos tempos do renascimento, diante da Europa em convulsão guerreira e intolerante, Tomás Moro (1478-1535) inspira-se na obra platónica para escrever a sua Utopia (1516). Também nesta mesma raiz foram projectados os modelos de ciência e sociedade; entre outros, a Nova Atlântida (1627) de Francis Bacon (1561-1626), a Cidade do Sol (1623) de Tommaso Campanella (1568-1639), …
2. É importante ir à raiz da «res-pública» para compreender os desafios da actualidade. Tantas vezes a limitação humana das reacções a determinados sistemas previamente vigentes pode bloquear o verdadeiro significado do que se pretende dizer. Neste sentido, talvez seja necessário destacar que a Revolução Francesa (1789), que ergueu um desejado saudável Estado de Direito, rapidamente primou tanto pela reacção ao passado que não foi «livre», tanto quanto se apregoa. A proclamação ideal de «liberdade, igualdade e fraternidade» espelhou-se em falácia verificada nos nacionalismos consequentes que invadiram a Europa, começando logo com o império francês napoleónico. Saudável a crítica republicana ao absolutismo e aos poderes instalados; engano tremendo a nova absolutização do «republicanismo».
3. A tradução para o feminino da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) valeu a uma mulher corajosa a morte na guilhotina. Afinal a «liberdade» só era masculina e os que não tinham direitos de cidadania também não tinham lugar. É assim maravilhoso relembrar que a autêntica república se alicerça nos Direitos Humanos (1948), não só «do Homem e Cidadão». Ou seja, exaltação exacerbada do «republicanismo» (como se fosse uma nova religião com o “ismo”), não! Porque poderá excluir as diversidades e ideologicamente o reflexo das próprias liberdades… República, Participação, Democracia, Justiça, Dignidade Humana, sim! Este será o caminho da inclusão pessoal e social das culturas, dos sentidos, das religiões, das raças, das políticas… É neste sentido que o 5 de Outubro poderá ser ponto de reflexão em que, enquanto houver indignidade humana e exclusão…, a liberdade da própria república continua incompleta. Ou não será? Depende da distância crítica em liberdade e da verdade de que os sistemas humanos não são valores absolutos.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
EUA: o plano de fundo(s)
1. O mundo estava em suspenso. A campanha dos candidatos à presidência americana ajudou à aprovação do plano da injecção de 700 mil milhões de dólares no chamado mercado monetário. Astronómico! É uma realidade impressionante o encadeamento ao jeito de dominó da economia do mundo nos sistemas americanos. Uma mega-dependência construída nos últimos dois séculos, também na fronteira dos valores da “liberdade” (das pessoas aos mercados), que quase ninguém quer assumir verticalmente mas que quase todos vivem no dia-a-dia. O dinheiro, como dizem os analistas, está injectado; mas a reflexão do plano de fundo é a tarefa mais urgente a ser realizada.
2. Com certa ironia, mesmo que subjectiva, os americanos falam de si mesmos como se fossem o mundo. Os “outros” ficam…! O Senado aprova o plano para tranquilizar o povo dos Estados Unidos, mesmo sabendo-se que essa tranquilidade é transnacional, mundial. Quando a água acalmar proximamente, de facto, observar-se-á a pequenez que somos para os persistentes endeusamentos das várias ideologias, até das ciências económicas. Quantas afirmações referidas, pensamentos ditos, sentenças proclamadas de pânico diante do desabar das pretensas, mas ilusórias, seguranças. Mesmo exaltando-se a «confiança» como valor, todos espelha(ra)m a desconfiança extrema.
3. As coisas são como são. Já que deste modo a América toca todo o mundo (ainda que segundo alguns no requiem diante dos novos mundos asiático e sul-americano), já que a sobrevivência do Ocidente e da Europa (realista) precisam mesmo dos EUA, então que se concretize a reflexão ética mundial urgente sobre qual o papel das economias nas sociedades actuais. O plano não pode ser um remendo. No pano de fundo continuam a pairar as mesmas incertezas das concepções injustas. Seja hora dos sábios! Não dos que produziram a crise, mas dos que a pagam.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O FIO DO TEMPO
Dar lugar à Música!
1. Se formos a pensar bem o que representa a música como património, aspiração e mesmo projecto de Humanidade, ficamos sempre com um amargo de boca ao assinalarmos o dia 1 de Outubro como Dia Mundial da Música. Diz-se que saber música é importante mas, de facto, dá-se-lhe pouco lugar. Em Portugal, ser músico, como ser artista, é uma luta pela sobrevivência. Os génios salvam-se sempre, mas o corpo médio dos músicos onde depois brilharão as estrelas, padece da ausência de apostas firmes, sérias e programáticas. Um pouco por todo o país, heroicamente, vão sobrevivendo as bandas musicais e algumas orquestras; são muitas as colectividades que pela música conseguem juntar populações dispersas, a partir dos valores e sensibilidades musicais.
2. Volta e meia destaca-se que até para aprender matemática a formação musical é um trampolim surpreendente. De quando em quando salienta-se a «educação artística» como chave de desenvolvimento dos povos, a partir das matrizes das culturas. Mas sente-se que a música, como outras áreas artísticas, estão claramente na periferia; se houver tempo, completa-se o “mapa”…! A era actual é a da ansiosa procura das tecnologias, deitando a perder as Humanidades e as Artes. Por isso vamos ficando mais pobres… Ainda assim, simultaneamente, brota algum despertar estimulante para cenários que virão em que será a riqueza das diversidades culturais, artísticas e musicais, o maior emblema dos povos…
3. Como trazer para o “centro” dos sistemas educativos a área artística e musical? Como elevá-la a ponto de a considerar insubstituível na formação das novas gerações? Não chega o remendo... Há inteira compatibilidade entre a fronteira das tecnologias de ponta e um humanismo que sensibilize a comunidade humana para os valores artísticos… Ou não será que tocar numa orquestra não dá espírito de equipa, estética e ética?!

terça-feira, 30 de setembro de 2008

O FIO DO TEMPO
A consolidação do ser cultural
1. Talvez nunca como hoje as mobilidades desinstalam aquilo que se julgavam ser os públicos e as práticas garantidas. Os vários níveis, pessoais e institucionais, de pertença são desafiados à renovação contínua, sem que com isso se perca aquilo que pode ser «a “ponta” por onde se lhe pegue». É uma virtude imensa a vasta rede de solicitações, das reais às virtuais; mas, tantas vezes, com pena, sente-se o perder de ponte com as memórias essenciais... A coragem da adaptação aos novos cenários, da autocrítica como quem procura antever o futuro, a mudança renovadora como atitude contínua, serão alguns dos ingredientes capazes de unir no presente a memória da história ao desejado futuro humano cultural.
2. Toda a gama mais variada de instituições comunitárias debatem-se com esta problemática. No início de cada ano projecta-se e inscreve-se como objectivo um maior investimento nas redes de relacionamentos (família, escola, sociedade, trabalho), procurando uma maior pertença e participação. Na decorrência das profundas avaliações realizadas, erguem-se propósitos que quererão consolidar as ideias e as práticas de que somos seres culturais e que sem «cultura» activa e participativa acabamos até por ficar a anos-luz do melhor lema de vida, esse que conduziu os grande sábios que nos ajudam a pensar. Da ampla abrangência a ponto de quase-tudo ser cultura, valerá a pena o esforço de focalizar-se em algo que, ainda que não esteja da moda, seja enriquecedor e fortalecedor das raízes que darão fruto comunitário.
3. Se há sector que, no fundo, não deveria sofrer qualquer crise financeira deveria de ser a proposta cultural. Porque esta pode ajudar à redescoberta de soluções viáveis e representa o investimento mais significativo, mesmo em educação, para sermos comunidade que aprecia e valoriza o património que temos, para mais nos estimarmos e engrandecermos no património que SOMOS. Está nas mãos de todos?!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

O FIO DO TEMPO
A fuga do passeio espacial
1. Desde os tempos da guerra fria (entre os Estados Unidos da América e a União Russa) que a conquista do espaço representa a maior afirmação da humanidade. A chegada americana à Lua, em 1969, ficaria para sempre registada como esse sinal político confirmado de se ser superpotência no panorama mundial. Ninguém duvida do interesse para a investigação científica dessas viagens espaciais. Mas, sejamos realistas: elas, mesmo no seu potencial científico, são bem mais realizadas numa estratégia de ânsia de poder do que numa lógica de investigação como serviço generoso à humanidade. É assim!
2. Quase que existe nestas lides das potências uma “moda” criada que prefere bem mais o atirar-se à fuga para o espaço do que o mobilizar-se para a resolução dos problemas essenciais na terra. É bem mais fácil responder e afirmar-se com tecnologia, mesmo que seja espacial, que com sentido de Humanidade. O que foram os anos 60 para EUA e Rússia, são agora os tempos da China. Depois dos Jogos Olímpicos «excepcionais» o homem chinês quase imitou Armstrong ao saudar no seu passo «o mundo inteiro», agitando a bandeira chinesa. O novo herói é Zhai Zhigang que caminhou 15 minutos no espaço (27-09-2008).
3. Também se comenta que a viagem, designada de missão Shenzhou VII, ocorreu alguns dias antes do aniversário dos 50 anos da americana NASA e pouco antes do 1 de Outubro, dia feriado nacional na China em que é celebrada a «grandeza» imperial. Nestes contextos e na gestão da afirmação, pouco parece importar o leite contaminado ou as condições, tantas vezes desumanas, em que é alavancada a gigante potência do século XXI. Por vezes anuncia-se o fim das ideologias que deram lugar exclusivo ao económico. Não é verdade, embora talvez estejamos mais que nunca diante daquele triste lema em que «o mal de uns é a sorte dos outros.» Jogo China versus EUA.

domingo, 28 de setembro de 2008

O FIO DO TEMPO
A política da agenda diária
1. Nestes dias vieram à ribalta algumas das contas do negócio dos combustíveis. Quando muitos questionam o modelo do capitalismo (até lhe chamam de “selvagem”!), o certo é que das ditas contas lucrativas o Estado vai buscar fatia significativa. Relata o estudo da Visão (25-09-2008) que «cada cêntimo a mais, do gasóleo e da gasolina, representam 230 mil euros nos cofres» de lucro por dia, este conseguido às custas da dependência energética que, no fim de contas, convém grandemente aos poderes. As inverdades, omissões e estratégias dos dois sistemas de poderes, sejam os capitalistas sejam os estatais, servem-se fortemente das conjunturas mais que servem…
2. Como eco da recente apresentação pública de livro de Marques Mendes, que não deseja o regresso antes pelo contrário, vem uma certa renegação da condição política, ele que esteve anos a fio nessa linhagem das lideranças. Denunciar-se que se sente surpreendido tantas vezes com a pequenez de horizontes da «agenda» política dos partidos no parlamento é constatação que os cidadãos fazem e pedem que seja diferente. Na reflectida desilusão de um dirigente político (seja de que quadrante partidário for…) em relação à «classe política» está a tristeza de um povo que olha para cima e tem dificuldades em sentir-se efectivamente representado.
3. Vive-se o clima propício para o crescer da indiferença em relação ao bem comum. No difícil comum ganha-pão da agenda diária, a preferência dos silêncios abre espaço desmedido ao fracturante. Hoje eleva-se o pormenor, o acessório, a minoria, a bandeira da inclusão de cada um mas, tantas vezes, em detrimento da visão de conjunto de uma sociedade como comunidade. As malhas do tecido social e cultural correm o risco de se quebrarem e, pior ainda, de não se sentir a sua falta. É democrático o querer da minoria…; mas não será urgente o pensar-agir comunitário?

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O FIO DO TEMPO
A reinvenção da Economia
1. Os dias são de continuada turbulência. A economia virtual (do vender o que não se tem com segurança) tem os dias contados. Os anseios repetidos pelos especialistas são o milagre da regulação. As reflexões globais em realização, que também recuam décadas e vão mesmo aos anos 30, falam-nos de um safanão que tem raízes bem mais profundas que a agitação diária das bolsas de valores. Todavia, a resposta a este cenário terá se ser nova porque o momento é mesmo inédito. Dizem os estudiosos que também os cataclismos económicos são sinais de mudanças de época.
2. Em causa acabará por estar a realidade de uma economia virtual de modelo publicitário que cresceu desmedidamente, mas que não consegue nem pode libertar-se de todo o potencial, hoje insubstituível, das novas formas de comunicação. O reajustamento ao novo império asiático a par da mágica especulação dos mercados imobiliários e bolsistas a que se juntam as energias (petróleo e outras que virão…) como elemento central da vida das sociedades, tudo conjugado avoluma o risco e a incerteza, palavras-chave dos períodos de recessão. Mas os tempos actuais são ainda mais gritantes, pois a escalada da urgência humanitária a par da asfixia das classes médias está a conviver com a meia-dúzia de ricos super-poderosos.
3. Onde iremos parar? Em Maio passado, um conjunto de ex-governantes, entre os quais Jacques Delors, escreveram ao Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. A exigência era a legítima aspiração humanista em que «Os mercados financeiros não podem governar-nos». Esta urgente concepção de vida digna para além da economia, todavia, não se obtém de forma simplista. É preciso rever tudo, logo a partir dos fins últimos dos bens materiais “ao serviço”. Ser feliz não pode continuar a ser ter muito dinheiro. É possível mudar a mentalidade?

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O FIO DO TEMPO
E a Teresa continua!
1. Não é novidade a apetência da Teresa Guilherme para a exploração radical das emoções na Tv. Quem não se lembra da polémica despertada quando do primeiro big brother? Preocupante é o hábito destas programações que se vai generalizando e a massa crítica que se vai diluindo a ponto de perder a sua força capaz de propor uma alternativa ética de qualidade. O programa «O Momento da Verdade» da SIC é esse rosto actualizado da máquina concorrencial em que, quanto pior melhor para as audiências, essas que telecomandam autenticamente o panorama das comunicações.
2. A degradação do programa referido, de que nenhum órgão que se digne faria publicidade, talvez venha tornar patente mais uma vez o gosto lusitano para a intriga na praça pública. O entretenimento transformado como lavadouro de roupa suja aparece como o novo ópio do povo, dissuasor dos próprios compromissos de corresponsabilidade social a assumir. O crescer destas tendências para o “quanto mais esquisito mais dinheiro dá”, deita por terra todo o esforço diário e comprometido das mais variadas apostas na educação em geral. O empenho e o trabalho está a deixar de ser premiado; a falcatrua compensa, quanto mais melhor.
3. E para ajudar à festa emocionante, agravando mais o cenário, vemos familiares de concorrentes que foram enganados a aplaudir cada resposta confirmada pelo teste polígrafo. A razão do aplauso talvez seja mesmo o deus do dinheiro, pois que a honradez caiu por terra. Vale a pena perguntar se esses responsáveis da Tv se preocupam sobre a semente que lançam… Já bastavam os cinemas. Parece que o crime e traição que se denunciam nas notícias às 20h têm no passo seguinte o seu próprio laboratório. E ainda: onde está a alta-autoridade para a Comunicação Social? Não nos deveria mobilizar numa consciência ética e crítica?

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Nas raízes da inovação
1. Como tantas outras, «inovação» pode ser palavra gasta. Há mesmo já quem diga inovar a inovação. Para além dos malabarismos da linguagem, importa aprofundar a atitude inspiradora. No contexto do início de ano escolar, esta capacidade de sermos parte das soluções merecerá nota de louvor. Este ano a Lição de Abertura da Sessão Solene da abertura do Ano Académico da UA contou com a presença do Presidente Executivo da Portugal Telecom SGPS, SA, Eng. Zeinal Bava. A temática da comunicação era: «A inovação como chave do sucesso». Podendo ser hoje esta uma temática de lugar-comum, valerá a pena, acima de outros aspectos e mesmo dos naturais pós-e-contras que existem em tudo, destacar duas ideias fundamentais.
2. Quando Zeinal sublinha que «uma equipa é sempre mais inteligente que uma pessoa sozinha» acentua uma tecla essencial que tem sido um dos parentes pobres da mentalidade portuguesa. Ao destacar que, mais que os mecanismos de retorno da satisfação do consumidor, o ideal será que este tome parte da solução inovadora a encontrar, representa uma sintonia empática de inteira correspondência entre o que se oferece e o que se procura. Muito acima dos patamares meramente comerciais, vale a pena destacar as potencialidades criadoras do trabalho em grupo, pois até é bem mais fácil uma pessoa escrever um livro sozinha do que gerar um trabalho de plataforma em «rede» entre diversas áreas e saberes. Também as noções de retorno, auscultação, como processo criador merecem mais atenção…
3. Claro que tudo é aprendizagem, mesmo a inovação. Esta não cai do céu, precisa mesmo da capacidade de «arriscar» para acertar. Também este é um processo de sabedoria tão importante. Porque não criar-se mais hábitos de gente de diferentes áreas e estruturas sentarem-se à mesma mesa? Seria surpreendente!

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O tempo do regresso
1. O retomar das actividades impele-nos ao reerguer de projectos. Nos cenários de um surpreendente mundo em convulsão transformadora, e em que não podemos fugir dele mas actuar renovados nele, o estabelecer de objectivos ambiciosos que consigam gerar pontes de cooperação na busca de soluções é, hoje, uma claro sinal da necessária e inspirada procura revitalizadora. O mundo está como os humanos o fazem. E diante dele sempre houve, pelo menos, duas tentações: a cómoda “fuga ao mundo” típica de quem julga ter adquirido já a verdade plena, como se ela não existisse para o aperfeiçoamento comunitário; ou o diluir-se de tal modo no mundo perdendo a força crítica, afogando-se no conformismo, no deixar andar, no não vale a pena.
2. O retomar dos vários níveis de actividade, como a função educativa do aprender escolar, a missão política de servir o bem-comum, as propostas de sentido de vida das igrejas, os projectos de concertação social, humanitária e cultural, os novos programas das grelhas televisivas, os futebóis, as músicas, os espaços comunitários, tudo o que se move e pode mobilizar para uma sociedade melhor, especialmente em tempos de apregoada crise, em todos os recantos teria sentido fazer aquela “pausa” que pode gerar objectivos nobres em ordem a sermos, pelo menos, melhor Humanidade. Tudo porque a sabedoria e a bondade educativa que dessa pausa provém também pode ser antídoto inspirador para tantos dos males sociais.
3. Após a pausa veraneante, chegado o Outono, retomamos. É o sexto ano, agora com outro nome: «o fio do tempo». Depois de alguns anos com «Universalidades» e o ano passado com a «Linha da Utopia», agora avançamos sobre «o fio do tempo». Não o metereológico! Mas sobre os sinais do tempo actual. Único, todos actuamos nele!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Verão olímpico
1. O tempo de verão não se esgota meramente numa das quatro estações do calendário do ano. Verão, na riqueza cultural dos variados programas festivos e turísticos, quer ser oportunidade de apreciar a beleza natural que nos envolve, da Ria ao mar, da serra aos momentos de partilha festiva. Quebrar as rotinas do exigente e rigoroso trabalho ao longo do ano, fazer uma viagem ou caminhada por locais diferentes, respirar a maresia do relaxamento de quem contempla e aprecia, são “pausas” que também podem dar anos de vida mais saudável. Não será uma questão de ir para longe ou de muitas despesas; este cultivar da paz consigo mesmo, com os outros e a natureza, é realidade gratuita, é como que uma oferta da bondade do criador, esta uma leitura significativa que dá sentido à própria vida também na procura de alimentar com serenidade os relacionamentos humanos. Como Alguém diz, o sol põe-se todos os dias, cumpre-nos apreciá-lo!
2. Este verão para os portugueses parece que vai ser mais ecológico. Saber das dificuldades discernir as soluções também pode significar que, com o aumento desenfreado dos combustíveis e do consequentemente custo de vida, as opções podem-se nortear por apreciar caminhos diferentes daqueles que são as grandes viagens turísticas (ainda que estas, necessárias, também garantam a vida aos seus promotores)... Ir “para fora cá dentro” poderá proporcionar um reconhecer nos patrimónios de Portugal um bem que tantas vezes é por nós próprios desconhecido. O verão, assim, pode ser oportunidade privilegiada para reconhecer nos “caminhos de Portugal” (ainda que muito património por preservar), toda a riqueza que temos, natural como edificada em monumentos seculares, facto que, isso sim, pode contribuir para a nova consciência propiciadora para sermos um país sempre melhor acolhedor daqueles que visitam o nosso sol!
3. No mundo, estamos a breves semanas do início dos Jogos Olímpicos de Pequim. Durante um mês a China quer passar a imagem de simbólica capital do mundo. Os sacrifícios e investimentos foram feitos a pensar no novo “poder” hegemónico, onde, todavia, a problemática crua dos Direitos Humanos aparece como o permanente aguilhão; que o diga a “chama olímpica” na sua atribulada viagem rumo ao Olimpo chinês! Há atletas que dizem que correm de máscara devido à grande poluição; há tarjas e bandeiras já feitas para “libertar” o Tibete; mas há presidentes de nações que, após a ameaça de ausência na cerimónia de abertura, já confirmaram a sua presença. Sabemos como são as coisas: abertos os jogos, certamente recheados de alma e mitologia chinesas, a corrida vai ser pelas medalhas. Já agora e porque as coisas são assim mesmo, puxando a brasa…vamos ver se Portugal consegue fazer ouvir o hino em Pequim! Do mal o menos, sejam estas as notícias e não venham incêndios (o São Pedro tem ajudado!)!
4. A Linha da Utopia vai de férias. Também irá ver o mar e a serra; retomará fresca em inícios de Setembro!
Alexandre Cruz [14.07.2008]

domingo, 13 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Nelson Mandela
1. O mundo celebra os 90 anos de Nelson Mandela (nasceu em Qunu, a 18 de Julho de 1918). Têm sido muitos os testemunhos eloquentes sobre esta personalidade que representa a luta pelos direitos cívico e sociais da África do Sul do séc. XX. Mais que o activismo antiapartheid de Mandela, que lhe custou décadas amarguradas, o destaque da sua vida orienta-se pela capacidade de entender os tempos políticos e o facto de não viver sentimentos de “vingança”, estes que poderiam ser uma atitude “justificada” de retaliação em relação ao tempo de cativeiro que sofreu. Nelson Mandela viveu 27 anos como prisioneiro, em que teve como número «46664», o actual nome numérico de uma organização de luta contra a sida em África, criada por si em 2003. O seu percurso de vida enaltece a capacidade de reconciliação acima de tudo, em que para o consolidar da democracia, como diz, «lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra» na África do Sul.
2. No ano de 1993 Mandela recebe o Prémio Nobel da Paz. Uma atribuição ao “fim” de uma vida de luta incansável pela dignidade da pessoa humana, patamar único que poderá garantir a paz social. O esforço de isenção, a valorização do que une em vez do que separa, a capacidade de viver o “tempo” da vida na esperança de um “amanhã” livre e melhor, efectivamente, fazem de Mandela um símbolo para as gerações da actualidade. A construção do seu projecto de vida exigiu uma resistência ilimitada: foi preso em 1962, escapou à pena de enforcamento, ficou no cativeiro em prisão perpétua. Insistia no grito: “lutem!” A conjuntura sócio-política foi-se abrindo até à sua libertação, pelo presidente Frederik de Klerk, em 1990, “momento” que nos lembramos de ver em directo da televisão (sem tudo compreender na altura). A “liberdade” e igual dignidade das gentes da África do Sul teve, na generosa vida de Mandela, um elevado preço que importa agora saber cuidadosamente preservar.
3. A actualidade, mesmo nas instabilidades da África do Sul e do próprio mundo, exige que não se perca a memória da história que precedente. É sempre um perigo o que se verifica nos tempos posteriores à conquista das liberdades. O alimentar da liberdade é tarefa que, todos os dias, precisa de ser realizada na formação, educação e cultura da responsabilidade pessoal e social. Apesar daquilo que é o mistério da vida, na essência sempre limitada em cada pessoa humana, é bom e importante apreciar os exemplos de grande humanismo que nos fizeram chegar até ao presente. Das pessoas vivas, Mandela talvez seja o último «humano gigante», ainda que também uma memória construída pela conjuntura de perseguição, é certo. Mas dele será importante aprender os valores da entrega, da bondade e da generosidade; sempre ao serviço dos outros. Seja esta a autêntica escola de vida para o séc. XXI!
Alexandre Cruz [13.07.2008]

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Chimpanzés Cidadãos?!
1. A notícia desperta e desafia a curiosidade do bom senso e do verdadeiro sentido de humanidade: «parlamento espanhol debate “chimpanzés como pessoas”». Confunde-se aquilo que são os maus-tratos, algo sempre a condenar seja em que realidade for, com a assumpção a uma qualidade de dignidade reservada para os humanos. A questão, embora parecendo simplista, é bem séria e profunda. A proposta do grupo Parlamentar Esquerda Unida junto com a Iniciativa Catalunya Verds, representa a fronteira do essencial debate contemporâneo sobre a hierarquia de verdades e sobre o lugar do ser humano no seio de todas as realidades criadas. São já muitos os sistemas de pensamento em movimentos internacionais que, defraudados com a maldade dos humanos, adoram tanto a natureza que detestam as pessoas; este próprio panteísmo vai-se assumindo, à revelia descomprometida das religiões que estimulam ao compromisso histórico, como nova forma de religiosidade, quase natural e misticista, que misturando de tudo um pouco dá um chamado “Cokteil”, uma miscelânia que pode ter o nome de New Age (a Nova Era do Aquário), nascida pelos anos 60.
2. Esta complexidade das novas formas de compreender a “liberdade” pós-humana, sem hierarquia de valores, tem mesmo fundamentação científica: está provado que os chimpanzés têm memória e que o homem partilha «98,4 % dos genes com os chimpanzés, 97,7 % com os gorilas e 96,4 % com os com os orangutangos. (…) Uma organização internacional com o mesmo nome do projecto procura uma declaração da ONU sobre os direitos dos símios e defende direitos iguais aos dos “menores de idade e aos incapacitados mentais da nossa espécie”, segundo os responsáveis do projecto.» Na internet, uma leitura de relance dos comentários ao projecto espanhol, é um profundo alerta sobre o que está a acontecer no mundo, nomeadamente em termos dos pilares fundacionais da humanidade. Por exemplo, o uso descontextualizado da dignidade da pessoa humana transferida para o mundo animal, ou mesmo dos seres vivos e coisas em geral, são reflexo de grave pobreza de valores e de humanidade.
3. Alguns manifestam que a ideia não é nova e que, finalmente, um país tomou a dianteira. Sublinhe-se que não chega o comprovar-se científico da comum pertença de genes entre o ser humano e o chimpanzé; ser humano científico que fica aí perdeu a noção do seu lugar. É indescritível e preocupante o significado (e as consequências) do que esta simples proposta espanhola representa como iceberg de uma imensa conjuntura de questões decisivas quanto ao futuro. É oportunidade para sublinhar e fundamentar o lugar único do ser (do sentir) humano como obra-prima de todas as realidades existentes, estas a merecerem todo o zelo e protecção, precisamente, por parte dos humanos. Estamos diante de uma questão de absoluta fronteira na qual a generalizada indiferença é o terreno favorável à perca da própria identidade humana. Os acontecimentos obrigam ao despertar ético para o que está a acontecer.
Alexandre Cruz [10.07.2008]

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Sacerdotisas?
1. A sábia prudência pode conduzir a não problematizar. Mas o encarar os horizontes de futuro obriga a reflectir. Nem seguir as euforias do progressismo nem o fechar da reflexão como se a história não fosse por essência (divina) aberta e à descoberta. Não é novidade para ninguém a matriz patriarcal como noção de “serviço/poder” do judeo-cristianismo, factor que presidiu à configuração das religiões monoteístas e igrejas ao longo dos tempos, mas que retardou mesmo a assumpção social e cultural do horizonte do feminino nas sociedades. A própria possibilidade de um debate teológico aberto, metódico e coerente, no seio das instâncias do Vaticano é ainda uma miragem; a noção de uniformidade de pensamento num dado tão acessório como a “ordenação de mulheres” é bem pesada, o que condiciona toda a estrutura eclesial a não poder dizer outra coisa senão o que diz a estrutura superior: que o assunto está bem como está e que não é sequer para pensar nele!
2. Se se fosse, efectivamente, a pensar a sério nestas questões concluía-se algo tão simples como que Jesus Cristo não fez acepção de pessoas em termos de género (masculino ou feminino) e que escolheu, naturalmente, condicionado pela cultura patriarcal sua contemporânea, e que hoje escolheria seis homens e seis mulheres; ou melhor convidaria culturalmente em função da competência e liderança e não de qualquer outro critério como o de género ou de raça. Esta conclusão, tão simples, a par de outras mais complexas obrigaria a terminar o “discurso da compensação”, quando se procura “iludir o sol com a peneira” ao dizer-se que «a mulher tem na Igreja um papel fundamental» e possui mesmo uma «visibilidade muito grande», como se refere nestes dias (pelo presidente da CEP), fundamentando a rejeição ao pensar da ordenação de mulheres e, ainda, dizendo que entre a própria comunidade protestante o assunto não é pacífico…
3. Sente-se que o mundo precisa mesmo de profetas. A admissibilidade da ordenação de mulheres (e referimo-nos exclusivamente a esta matéria), assunto sensível que vem à tona da água em momentos em que a comunidade anglicana antecipa o futuro, simboliza hoje a necessidade de ir à essência do Cristianismo. O ano dedicado a São Paulo, que faz 2000 anos de nascimento, poderia ser oportunidade de abrir, ao jeito ousado de Paulo, alguns “dossiers” de algumas “questões” absolutamente acessórias (que continuam a ser faladas nos bastidores), mas hoje mais importantes que nunca, em relação à força central da Mensagem de que as igrejas são na história o esforço da presença viva. A sociedade civil, nesta questão concreta da coerência de género, vai muitíssimo à frente. É, naturalmente, preciso coragem (Paulina) para aprender dos valores do bem comum sabendo situar-se no tempo cultural presente. É evidente que não dizemos que tudo o que é tido de “moderno” é bom, de maneira nenhuma…
4. Também há quem veja nesta questão uma dimensão de reivindicação feminista; de maneira nenhuma, não é isso. Será sim, a necessidade séria, coerente e urgente de aprofundar o essencial do Cristianismo, de “joeirar” o que foi sendo a “ferrugem” da história e aceitar a conversão no novo e desafiante tempo do séc. XXI (B. Haring). Esta questão do sacerdócio feminino, com seriedade e serenidade, talvez seja uma dessas questões decisivas. Não a querer ver, primeiramente como sério debate, é fechar a portas ao presente-futuro. E tanto que o mundo precisa de “ar fresco”! A prudência, quando apreendida da viagem da história, conduzirá à abertura de espírito nas grandes questões; até porque o que se deseja para o mundo tem de ser viver “ad intra”. Toda esta reflexão no “princípio da racionalidade” (ponto de contacto com o mundo que se procura servir), que tudo sabe fundamentar e debater, não é nada de novo… AC [08.07.2008]

terça-feira, 8 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Made in Pamplona
1. As notícias quase que estranham o facto de ainda não ter havido neste ano, até ao momento, nenhum morto. A largada de touros pelas ruas de Pamplona, por ocasião das festas de São Firmino (um dos santos patronos da região de Navarra, que nada tem a ver com isto…!), pertence àquelas tradições que nos deixam sem palavras. A “barbárie” recheia o turismo mas faz mal à mente; são milhares e milhares os turistas provenientes de muitos países para ver e, corajosamente, correr à frente dos touros que atravessam os cantos e recantos da cidade antiga de Pamplona. Diz-se que os turistas vêm à procura de grande “adrenalina”; mas não a querem por completo pois não correm de frente para os touros! Os resultados são feridos e mortos; todos na lógica o sabem e atiram-se com predisposição ao que vier… No primeiro dia só conseguiram oito feridos!
2. Mobilizam-se os serviços de urgência, bombeiros a socorrer os voluntariamente atropelados; os cuidados de saúde ajudam os que quiseram, consciente e livremente, ser “comidos” pelos touros. Nas bermas bate-se palmas aos valentes corajosos, grita-se, descarrega-se numa catarse a ver quem fica no chão. Os touros vão correndo no seu instinto a limpar o caminho até à arena final, a praça de touros. Tudo estranho e organizado; tudo, diga-se, sinal explícito de sub-desenvolvimento civilizacional que vende grandes lugares turísticos, e ainda por cima continua a usar-se um “nome de santo” para carimbar a fasquia da intocável tradição. Faz lembrar o que acontece com São João Baptista, foi condenado por causa de uma festa e um baile, depois de defender causas de libertação, verdade e justiça; e agora fazem-se festas e bailes em nome do Santo...
3. A proclamada ordem do progresso e do desenvolvimento no não foi capaz de diferenciar e “libertar” a história de certas amarras que em nada contribuem para um diário bem comum. Há romarias e tradições lindas e dignificantes (a fortalecer e a continuar); mas há determinados hábitos tradicionais que em nada favorecem uma sociedade pacífica e harmoniosa (estes a redireccionar ou mesmo, corajosamente, a terminar). Até parece que o próprio “princípio da racionalidade” como diferenciador do que é bom e do que é mau, acaba por ficar diluído e longe das grandes manifestações colectivas que representam a ponte com a história das gentes. E mais ainda: quase que se procura o que é esquisito, diferente, contra-natura, enaltecendo-se esses heróis que enfrentam as fronteiras da vida e dos touros.
4. As ruas de Pamplona, que já não precisavam de tanta publicidade; estão em todas as estradas do mundo quando os valores da paz e do sentido de Humanidade é ameaçado. Pena que assim continua a ser! Claro que se alguém lá disser isto está liquidado… Mas também “temos” parcelas desta inquietação. A razão humana ainda tem “faces animalescas”, ainda não cresceu até ao nível de cada momento de vida pensar e activar o desígnio da paz! A única via para o futuro comum.
AC [08.07.08]

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Quem debate a pobreza?
1. Começa mais uma cimeira dos oito países mais ricos do mundo, designados elegantemente de G8. Por contraditório, com tanta riqueza junta, um dos temas de fundo a debater é a pobreza no mundo actual, particularmente em África. Verifica-se que são os que menos poderiam falar que têm quase toda a palavra; um debate que, embora integre (fica sempre bem) algumas figuras dos chamados países pobres, parece cabalmente inquinado à partida. Os “exploradores” marcam agenda para reflectir alguns dias sobre como encontrar soluções para terminar com a pobreza nos países e sectores que exploram; são os principais produtores de tecnologia e energia que geram dependência do resto do mundo; países G8 que ao longo de todo o ano procuram estratégia para ter mais, subtraindo aos que menos têm que, agora, fazem a pausa simpática para “perdoar” uns “cobres” e prometer algumas medidas de boa vontade, quase tocando aquela “solidariedade egoísta” em que dá sempre jeito haver pobres… Pois, é a dureza da verdade!
2. O escândalo, hoje tornado mediático, do flagelo da miséria e da fome crescente que atravessa e agrava muitos países não se compadece com o “discurso da circunstância”. Esta realidade crua de, na generalidade, os países ricos debaterem a pobreza dos outros deixa um amargo de boca em bocas sem pão. Não está, à partida e com isenção, em causa nenhuma linhagem política nem económica; mas estão gravemente em causa todas essas forças quando elas impedem o desenvolvimento das suas sociedades ou provocam mesmo o seu próprio subdesenvolvimento. Também o mega-fenómeno das manifestações anti-globalização, que já fazem parte da tradição no acompanhamento paralelo das cimeiras, nada adiantam de especial a não ser a própria afirmação da globalização no “grito” da desordenança global. As fronteiras são ténues; mas quanto mais alguns procuram refugiar o debate da pobreza mais a multidão de pobres caminha para a rebelião… Precisamos da racionalidade.
3. As instâncias da Organização das Nações Unidas a par de dinâmicas da sociedade civil continuam a ser o fórum próprio para a questão de fundo da pobreza ser justamente debatida na óptica do desenvolvimento dos povos. Cada semana que passa o fosso riqueza / pobreza agrava-se, não numa generalidade filosófico-política mas na vida de pessoas como nós, onde a luta pela sobrevivência assume contornos dramáticos. As instâncias devidas, desfocadas e porventura comodamente instaladas, estão a receber sinais decisivos até ao clímax das mudanças sócio-políticas. A insustentabilidade do modelo de sociedade actual está bem espelhado na crise dos mais variados recursos que obrigarão ao profundo repensar dos paradigmas de desenvolvimento. Nesta procura de justiça já é muito “tarde”, e tudo fica sempre por dizer… Mas que do norte do Japão, onde ocorre a isolada cimeira do G8 com países africanos, venha “ar fresco”… Mais que ajuda económica (dar o peixe), já prometida em 2005, provenham justas condições ao desenvolvimento (ensinar a pescar). Tudo passa pela verdade do interesse…
Alexandre Cruz [07.07.08]

sábado, 5 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Cultura humanista
1. Ter uma visão de conjunto da história permite-nos a necessária distância crítica para melhor compreendermos o tempo presente. Não que a história se repita, mas que algumas ideias força possam ter “semelhanças” com outras épocas, nomeadamente sobre o balançar da experiência humana que ora vai pelos patamares mais técnicos (ordem mais da matéria, estruturalismo – que podemos personalizar nos clássicos em Aristóteles), ora pelas vias mais humanas (ordem tendencialmente do espírito, humanismo – representado por Platão). Certamente que os estudiosos da historiografia, filosofia ou os antropólogos saberão ter a noção mais exacta, da justa medida, em que estes pêndulos podem mesmo significar as duas ideias força que ao longo dos séculos têm andado a puxar os fios condutores da história, sucedendo-se uma à outra…(?) Neste sentido procurador, perguntar faz bem…
2. Temos assistido na história da humanidade, na sua linhagem marcadamente ocidental (somos escritores da história de nós próprios o que nem sempre acaba por resultar justo), a momentos de forte impulso de desenvolvimento científico-económico e depois à sua crise e progressiva maturação. O progresso científico-técnico traz consigo a “desmontagem” de determinadas concepções de vida que passam a ser qualificadas de tradicionais, vindo também propor uma visão estruturalista, metodicamente organizada, da vida, onde todos os rigores da surpreendente ciência seduzem a ponto de não haver fronteiras para esse admirável mundo novo, e onde o patamar humaníssimo e ético acaba por ficar na prateleira. Com o acalmar do “pó”, verificando que as euforias dos novos conhecimentos também geraram muitas fracturas, e diante do desencanto humano e da “falta de sentido”, retorna a procura da fonte originária da Humanidade, surgindo um Humanismo que venha dar “ar fresco” e ânimo ao tempo histórico da vida pessoal e social.
3. No primeiro momento (quase nesta dialéctica do progresso), a ciência e técnica afirmam-se como auto-suficientes; no segundo momento, Humanista, é o retorno de todos os saberes como serviço à “casa comum”. Neste contexto da procura de um “método” para o futuro, vale a pena partilhar uma opinião, no âmbito dos 3 anos de pontificado de Bento XVI (17-04-2008), em que Guilherme d’Oliveira Martins destaca que «o Papa utiliza um método todo inovador e muito promissor, que é o de citar textos e autores profanos, em confronto com textos da Igreja, para melhor ilustrar as ideias e reflexões propostas. Este procedimento, inédito até este pontificado, abre horizontes novos, uma vez que põe o pensamento religioso em diálogo com o mundo e as ideias contemporâneas, em nome do enaltecimento da razão e da compreensão dos seus limites (a invocação de autores como Adorno e Horkheimer é, neste sentido, muito curiosa e significativa.» Prossiga, em tudo, esta racionalidade dialogal.
4. Neste método dinâmico da aprendizagem com a diversidade do outro pode estar o retorno de um Humanismo sadio que reponha no seu lugar o “humano” acima de todas as realidades e coisas. Aqui haverá SER humano capaz de reencontrar o sentido pleno da Vida, este que supera todas as dictomias e divisões da história. Ressurja uma cultura verdadeiramente humanista: esta garantirá a preservação do bom senso, em tudo e em todos!
Alexandre Cruz [06.07.08]

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
Sentar à mesa
1. Os cenários sócio-económicos da actualidade continuam a merecer os mais variados comentários dos mais diversificados quadrantes. Todos observam a crise, e alguns até na sua estratégia carregam na tecla crisófila dizendo que ela continua para ficar e agravar; a lucidez das soluções é que parecem tardar, facto que também se comprova pela ausência de plataformas de encontro e entendimento a partir da realidade. Da União Europeia os zigue-zagues, demonstrativos de um fosso em que os cidadãos estão e parecem querer estar (longe), reflectem a incerteza e indecisão de contornos históricos. E nestes contextos de transformação planetária são bem mais as mesas habituais da analítica comentada que as da procura das soluções a partir das práticas.
2. Não é fácil vislumbrar caminhos de saída da encruzilhada do mundo presente, e futurologia é tarefa que os humanos não dominam. Mas talvez o descortinar a justa medida do “copo meio cheio” precise de despertar aquelas mesas que podem apontar caminhos. Depois da II Guerra Mundial foi o tempo histórico da criação das grandes plataformas de encontro e da estruturação das grandes organizações que marcaria o tempo da qualificada modernidade: nesta a preocupação consistente pela Humanidade em geral foi uma imagem de marca, e daqui derivaram toda a multiplicidade de organismos enraizados na ONU – Organização das Nações Unidas. Entretanto verificámos em 1989 a queda do Muro de Berlim, que assinalou a abertura total da era da globalização já na pós-modernidade (esta mais individualista e indiferente) previamente esboçada.
3. Uma quantidade e qualidade de transformações sucedem-se (até no panorama da revolução internet), a que não é alheio o simbólico 11 de Setembro de 2001. A nova complexidade de relacionamentos planetários a par do emergir dos povos orientais como potências desmonta as “mesas” antigas, despertando para novas urgências sócio-político-educativas. O facto de quase tudo hoje ser transnacional, o que entre nós se reflecte no “país que se decide em Bruxelas”, torna clarividente que as respostas antigas agora colocadas seriam como «remendo novo em pano velho». O tecido social está todo em ebulição; não é efectivamente um mal (como por vezes se diz), é uma realidade nova que obriga ao reajustamento. Assistimos a grandes mudanças; não se trata de começar de novo (ninguém começa nada de novo), tratar-se-á de compreender para melhor agir…
4. Um dos principais sintomas da crise é a objectivação explícita que, muitas vezes, os variados sectores sociais têm andado a puxar uns para cada lado. Erro tremendo que se reflecte em tantas propostas sociais irrealistas e inconsequentes em relação à crua realidade. O flagelo da fome já é o julgamento da história pela incapacidade de entreajuda político-económica dos vários actores em cena. Há novas mesas a reinventar, há novos conhecimentos a joeirar e potenciar nessa causa decisiva da sobrevivência, o mesmo é dizer, do autêntico serviço à casa da humanidade. Inadiável!
Alexandre Cruz [03.07.08]

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
A inteligência das emoções
1. Sente-se (e justifica-se) que em certa medida exista uma desconfiança das emoções. Mas está estudado que são estas que comandam a vida e o mundo. As razões para o preconceito e não integração das emoções e afectos prendem-se mais com a história dos séculos passados que com a realidade presente. Especialmente desde o princípio da modernidade do séc. XVI as emoções dominaram as razões a tal ponto que originaram páginas de precipitação intolerante baseadas mais em intuições emocionais que em razões lógicas. Mas já desde os tempos clássicos que, no esforço de compreensão “organizada” do ser humano, se considerou que ele é corpo e espírito. Os séculos racionalistas acentuariam a objectividade material e experimental; os tempos mais voltados para as componentes espirituais sobrevalorizaram a face das ideias desprestigiando as noções terrenas. Agravaram-se algumas dictomias (ou uma coisa, ou outra) a ponto de haver nos quadros do pensamento quase (imaturas) incompatibilidades.
2. Para quem vive “preso” à história, neste terreno da profundidade humana as razões fundamentam os medos e, consequentemente, a prudência aconselha à desconfiança. Para quem vive nesses paradigmas do passado (cartesiano), mesmo nos terrenos científicos da maior vanguarda do conhecimento, esta fronteira é ténue, e prefere-se o rigoroso separar das águas entre corpo e espírito. Fala-se de progresso humano mas tem-se medo de incluir nele todas as formas de conhecimento; sabe-se que os grandes problemas da humanidade actual não têm solução tecnológica (mas sim humana), mas sobrevaloriza-se e exalta-se o patamar da ciência tecnológica, cortando asas aos horizontes das ciências filosóficas, humanas e religiosas, dos clássicos como das artes. No fundo, pelo arrastar desse passado histórico (que continua) de graves incompatibilidades, temos medo de no presente incluir em diálogo (transdisciplinar) todos os conhecimentos…
3. E, assim, verifica-se que quando o mundo designado de intelectual abandonou as razões de possibilidades desta harmonia “mente sã em corpo são”, então esta abordagem da unidade psico-somática transitou para a lógica, muitas vezes, da irracionalidade… Que o digam todos os exoterismos e misticismos que, em palcos não iluminados pela ordem razoável do ser, fazem o seu falacioso caminho. Talvez seja mesmo preciso, urgentemente, resgatar a pluri-unidade dos conhecimentos para um patamar da justa racionalidade, isto é da inteligência emocional. Obras como a de António Damásio (os estudos da neurobiologia da consciência) derrubam essa dictomias antigas, como se o ser humano fosse um encaixotado de gavetas frias. E tudo quando se sabe que as emoções lideram o mundo. Ou a presente crise internacional não demonstra cabalmente que: 1. temos de superar as limitadas abordagens metodológicas da história; 2. temos dialogado muito pouco em rede com os vários conhecimentos; 3. que as publicitadas “expectativas” que comandam as bolsas de valores e os preços do petróleo são o novo nome da “inteligência das emoções” (= do sentir).
4. Sabemos que estas são águas profundas, mas são elas que em novos paradigmas de abordagem podem oferecer o justo equilíbrio a uma desejada humanidade humana; tudo diante dos desafios / oportunidades da globalização.
Alexandre Cruz [02.07.08]

terça-feira, 1 de julho de 2008

Na Linha Da Utopia
A fasquia dos modelos
1. Falar-se de rigor e exigência são ideias que estão na moda mas num patamar marcadamente económico. É, naturalmente, bem que assim seja, que o proclamado rigor percorra esses caminhos; mas que bom seria que esta fosse a medida padrão de tudo quanto são as relações humanas e sociais. Por vezes parece que um contraditório gritante paira sobre a vida social, em que a lógica do interesse comanda aquilo que são os caminhos diários das sociedades. Exige-se “exigência” economicamente, mas desprestigia-se o rigor ético; quer-se fazer da empresa ou da equipa de futebol uma família para ver se se chega ao triunfo, mas pouco valor parece dar-se efectivamente, como modelo de referência, à “família familiar” na sua essência e verdade.
2. Dos escaparates das revistas de imprensa, de cor de rosa ou de outra cor, os modelos sociais de pessoas e vidas estão aí apresentados, como poder de atracção para as camadas mais jovens. Mas que fasquia de valores eles contêm? Que generosidade de vida e resistência nos princípios apregoam? Será que são publicados porque têm mesmo leitores garantidos que preferem a intriga do “casa / separa” às virtudes para uma vida rica de sentido? Que lugar nessas páginas ocupam as famílias felizes, os filhos amados, os idosos amparados, a generosidade que brota da comunidade (familiar) mais importante do mundo? Com toda essa panóplia e com a péssima ideia (subdesenvolvida) de que tudo o que se diz ou o que vem na revista é verdade…que futuro, efectivamente, queremos para a sociedade em geral?
3. Já são muitos os estudos publicados que demonstram que sem famílias e comunidades enraizadas em valores de pertença a sociedade em geral não tem a sua rede de sustentabilidade. A verdade é que os modelos novelísticos são propostos continuamente e normalmente (no realismo da observação) eles têm pouco de fidelidade e de verdadeira felicidade. Talvez também aqui precisemos de um “choque ético de imprensa” que seleccione e faça a opção pelo que merece ter visibilidade em valores positivos no cumprir da sua missão de “educabilidade” social. Vale a pena salientarmos, neste patamar, o caso excepcional da Revista XIS, que vinha aos sábados com o jornal Público. Fez um caminho de cerca de cinco anos; acabou, já há alguns. Nada de novo e estimulante veio ocupar um lugar popular e social idêntico, nesse esforço de divulgação valorativa dos exemplos de alta fasquia de valores e generosidade.
4. Como em tudo, não são os grandes momentos que educam e transformam. É na simplicidade do dia-a-dia que a mensagem passa (ou não). A fasquia das mensagens dos modelos famosos é, hoje, um verdadeiro espectáculo pobre de valores; falam de um amor que não o é, sem futuro, porque é bem mais interesse que generosidade e abdicação. E é esta a mensagem que, silenciosamente, vai passando… Como também, e essencialmente aqui, despertar o rigor e a exigência como valores gratificantes ao sentido da vida?
Alexandre Cruz [01.07.08]