terça-feira, 31 de março de 2009

O FIO DO TEMPO
A Questão de Deus (II)
1. Não se pense que a «questão de Deus» é indiferente como se de um “tanto faz” se tratasse. Talvez este seja o primeiro obstáculo a superar, na busca de fazer sentir que o indiferentismo alastrante (nestes assuntos do sentido da vida e de Deus) não será uma moda bem-vinda… esse futuro ilusório de autonomia humana, mas um pobre retrocesso na “resposta mais profunda ao sentido de viver” que as religiões representam, como sublinha o reconhecido ensaísta Eduardo Lourenço. Reparemos na fonte das sabedorias da Ásia…Compreende-se a necessária e saudável laicidade dos Estados (que volta e meia na Europa absolutizadora da razão de Estado resulta numa liberdade religiosa de fronteiras dúbias…), a apreensão de um conjunto de valores que alimentam as éticas e dão razões à existência, dados que não se poderão dissociar do espaço público…
2. Também se pode esquematizar o olhar de suspeita, esta aumenta tanto mais quanto exterior e criticista for a postura em relação ao terreno delicado do historial das Religiões na Humanidade. Quantas vezes e quantos olhares de precipitada ignorância, que no pressuposto não livre mas acusatório em relação às Religiões, culpam Deus das discórdias, guerras e do mal no mundo. O desconhecimento da essência filosófica e teológica da questão de Deus, (elemento) que conduziria à sábia prudência de que tudo tem um significado, tem levado muito racionalismo ou mesmo certas teorias científicas e/ou republicanas de valor absoluto à recusa e exclusão destes assuntos da comunidade. Mas também tantos “nomes” atribuídos a Deus, em que Ele é usado «em vão» nas visões parcelares que espelham mais a exclusão cega, literalista e fanática que Deus não é nem quer…
3. Aos que dizem o nome de Deus (que é Amor!), mais que nunca, a dose de “razão qb” exige-se como fonte de credibilidade e diluição de misticismos aniquiladores da essência da re-ligação à fonte de sentido. Aos que são indiferentes ou a querem excluir da sociedade, será “hora” de compreender que toda a esperança (acima da física) é sinal histórico do Absoluto.

segunda-feira, 30 de março de 2009

O FIO DO TEMPO
A Questão de Deus (I)
1. Especialmente desde os tempos do chamado positivismo, criado por Augusto Comte (1798-1857), daí para cá, os argumentos da razão humana se esforçaram mais em provar a ausência de Deus que a sua significativa existência como dadora de sentido à vida. Na filosofia anterior, mesmo com a dúvida simbolizada em Descartes (1596-1650), o pai da filosofia moderna, há lugar para ver além dos cálculos visíveis. O positivismo de meados do séc. XIX (o acreditar unicamente naquilo que se pode ver, experimentar, medir, calcular, dando a entender que tudo tem fórmulas…!) rapidamente cresceu, buscando o ser humano uma autonomia tal a ponto de julgar-se não precisar de ninguém. Neste encadeamento, após a designada filosófica «morte de Deus» pelo niilismo de Nietzshe (1844-1900), considerar-se-á que os outros são uma atrapalhação («o inferno são os outros», dirá o existencialista Sartre (1905-1980).
2. Os dados estão todos ligados. O apagar do invisível de Deus gerará menor capacidade de persistência nos valores visíveis... Um dos mais lidos e polémicos filósofos franceses da actualidade, de nome Michel Onfray, que em 2005 editou o Tratado de Ateologia (em defesa do ateísmo), esteve estes dias em Lisboa a lançar o seu novo livro, com o título A Potência de Existir – Manifesto Hedonista. Mais uma vez os dados estão ligados: ausência de Deus equivale a menor horizonte de ser humano. Realizámos com curiosidade a leitura da entrevista (Visão 26-03-09), mas na qual o autor argumenta de modo sensacionalista a sua recusa de Deus, referindo-se que «entre o cristianismo de Bush ou o islão de Bin Laden eu não quero nenhum». Resumir a questão de Deus a estas dimensões humanas históricas (como as guerras ou o mal), que nada têm a ver com a essência de Deus, será claro sinal de superficialidade humana e caminho, pois, de hedonismo egocêntrico. Remata, ainda, o autor que «só num mundo sem Deus é que o Homem pode ser livre.» …

domingo, 29 de março de 2009

O FIO DO TEMPO
Uma raiz do problema
1. Thomas Jefferson (1743-1826), formado em direito, tendo nascido e morrido no estado da Virgínia, foi o 3º presidente dos Estados Unidos da América (entre 1801 e 1809), tendo uma actuação decisiva nos valores da consolidação da unidade e desenvolvimento nacionais. Além de actividade política, foi filósofo, arquitecto, arqueólogo, um revolucionário iluminista no melhor sentido ético do termo. De tempos a tempos, especialmente nos tempos mais difíceis das sociedades em que se procuram vislumbrar caminhos em ordem a um futuro mais humano e livre na responsabilidade, os sábios escritos alertadores de Jefferson são relembrados com actualidade.
2. De há alguns dias para cá, por variadíssimas vezes, tem circulado no correio electrónico a seguinte mensagem de Thomas Jefferson, divulgação de pensamento esta que é reflexo de sua autoridade: «Acredito que as instituições bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades do que o levantamento de exércitos. Se o povo americano alguma vez permitir que bancos privados controlem a emissão da sua moeda, primeiro pela inflação, e depois pela deflação, os bancos e as empresas que crescerão à roda dos bancos despojarão o povo de toda a propriedade até os seus filhos acordarem sem abrigo no continente que seus pais conquistaram.» (ano de 1802).
3. Se uma multidão de «filhos» vão acordando e observam os frutos da desordenança sedutora do poder económico, alguns senhores ainda querem engordar mais esquecendo-se do mea culpa e premiando a si próprios o desgoverno a que conduziram o barco comum… Isto a propósito da pergunta colossal que faz o bom senso sobre como é possível neste mundo que: falhados administradores que afundaram o património da vida de tantos… suas instituições bancárias (ou outras) receberam apoios públicos (de todos), e julgam-se ainda com direito a prémios e atribuições de mérito? Que duro! Mas que dizer?!

quinta-feira, 26 de março de 2009

O FIO DO TEMPO
É Futebol? Não levemos a sério!
1. Do Brasil Jorge Sampaio mostra-se surpreendido como nos últimos dias as notícias em Portugal têm sido a questão do anda e desanda do Provedor de Justiça e o assunto do famoso penalty do fim-de-semana passado…! Se é certo que a notícia é alimentada pelos órgãos de imprensa, que com mais polémica mais vendem, também é verdade que tudo isto acaba por ser símbolo da mentalidade portuguesa. Essa transferência (sem milhões!) do entretenimento para um plano tal como se fosse o essencial de um país dá muito que pensar. Nem sequer valerá a pena dizer-se que em tempos de crise temos de nos distrair com alguma coisa de supérfluo para pensar menos e relaxar mais…não, esta capacidade de elevação do “pormenor” ao patamar de assunto nacional é muito típica nossa… Faltar-nos-á um lastro saudável de humor?
2. A capacidade de autocrítica será muito positiva nestas matérias. Conhecermo-nos a ponto de lidarmos com os nossos limites, ganhos, derrotas, sofrimentos, festas, dores… Personalidades credíveis de vários quadrantes da vida nacional como o filósofo José Gil, o homem de ciência política Adriano Moreira ou presidente do Centro Nacional de Cultura, Guilherme d’Oliveira Martins, estudam, afirmam e procuram compreender as raízes destas identidades que geram em nós o absolutizar de realidades tão breves. Do panorama cultural G. Oliveira Martins, na sua obra Portugal: identidade e diferença (Gradiva: 2007: 185), reflecte sobre «a capacidade de não nos levarmos demasiado a sério, para melhor entendermos os outros e o seu lugar» e a nós próprios. É neste patamar que será oportuno sublinhar o refrão de não levarmos o futebol muito a sério (é bola!), seja qual for o resultado final!
3. Até porque as milionárias redes das balizas continuam virtualmente acima da crise, e estão cheias não do saudável desporto mas de um sistema de que parece que não se sai. A bola não merece tanto! Será?

quarta-feira, 25 de março de 2009

O FIO DO TEMPO
Incentivar a Participação
1. Sabe-se como é essencial, e pedagogicamente importante até como verdade democrática, a participação. Mas muitas vezes tem-se medo dela, pois pode ser desinstaladora de paradigmas cristalizados. Quantos regimes sócio-políticos e/ou determinadas estruturas institucionais dizem-se arautos da participação mas, efectivamente, quando ela dá frutos surpreendentes ao modelo pré-existente o cenário fica sem resolução… Claro que não se pretenderá uma participação qualquer, desarticulada, que possa gerar efeitos contraproducentes, mas o discernir dos essenciais. A participação terá de possuir uma dose de racionalidade para ser eficaz. Mas, e talvez nos tempos que correm seja mesmo o essencial, pretender-se-á, ainda que como aguilhão despertador, que a participação vença a indiferença.
2. Os tempos que correm, de tão pródigos em termos de tecnologias de informação e comunicação, e mesmo que na verdade de outras novas formas de participação on-line, dão a conhecer uma era apressada e desgarrada em termos de fecundidade de comunicação entre as pessoas. Não será juízo de valor o observar-se que com um certo desmoronamento da instituição familiar, com o défice dessa imprescindível escola informal e familiar de valores (onde se aprende sem códigos legais a agradecer e a desculpar), a participação como valor cívico acaba por sofrer os próprios efeitos colaterais. A participação como fenómeno social mais amplo está umbilicalmente ligada à informalidade da educação diária.
3. Os que vão liderando processos e organismos humanitários (como o presidente da AMI, Fernando Nobre) vão gritando “contra a indiferença”. Caberá a todas as escolas de saber, das formais às informais (de que destacamos um projecto com 20 anos, Movimento de Voluntariado Diocesano Vida Mais), estimular pela positiva à participação, esta que poder gerar dinamismos mais proactivos e ampliadores na corresponsabilidade.

terça-feira, 24 de março de 2009

O FIO DO TEMPO
Dizer Angola
1. «Quem vai para Luanda vai para a fortuna, quem procura qualidade de vida vai para a província» (Visão, 12-03-09: 58), afirma sem receios um dos 100 mil emigrantes portugueses que recentemente partiram rumo a Angola. A nova terra de oportunidades está na moda, mas as buscas ansiosas das fortunas também poderão ser traiçoeiras quanto indignas, pois continuadoras de desigualdades que importa diluir. A terra da promessa está na ordem do dia, facto acelerado pela generalizada crise global e europeia (a que Portugal não foge), sendo a língua e a cultura pontes privilegiadas. De quem conhece os terrenos angolanos, o desenvolvimento floresce a cada dia, mas sendo certo que uma coisa é a capital e outra é a realidade do interior.
2. Os relatórios internacionais de desenvolvimento humano dos povos sempre cruzam os dados: no apuramento da verdade social, põem lado a lado os mais ricos e os mais pobres. Esta é a verdadeira “prova dos nove” do autêntico progresso e, nesta matéria (de contrastes gritantes), haverá muito terreno a lavrar. Por testemunhos vivos, Luanda está numa afirmação (porventura lícita como potência regional africana) a um patamar das cidades mais caras do mundo. Mas, “ali ao lado”, coexiste a maior miséria do mundo. O abismo desta distância é perturbador e o seu premente reequilíbrio como “justiça social” acaba por ser a urgência da sustentabilidade da paz para o próprio povo. Neste terreno, claro que a economia em si mesma não tem mal nenhum; mas a economia desregrada naquela palavra de fronteira ténue, “oportunidades”, pode, entretanto, comprometer…
3. Não é verdade que em Angola corra “leite e mel”, qual jardim bíblico paradisíaco! Será verdade um conjunto amplo e aberto de oportunidades de desenvolvimento, na base da educação (heróis os que persistiram na educação!). Não se quer uma verdade de oportunidade transformada em “oportunismos” maléficos e ampliadores de graves e corruptas desigualdades. Mesmo nos cenários do “mal menor”. O também Papa alertou (n)a realidade!
O FIO DO TEMPO
Fermentar Esperança
1. Uma boa parte dos diagnósticos está feita. O caminho que conduziu à crise (financeira, económica, social…) de sociedade actual vai-se descortinando do amplo novelo de redes que tudo liga. A tendência humana com facilidade esvai-se mais para o discursivo que para o ser pró-activo do compromisso histórico de todos. Dos dinamismos mais impressionantes que pode resgatar do pessimismo é a esperança; mas esta não existe por si, tem raízes profundas que escapam às fórmulas e às coisas utilitárias. O tempo de primavera comunica-nos esse imperativo do melhor para o futuro, renovação da natureza que reflecte uma lei de novidade infinita que tudo envolve.
2. Para o olhar que quer dar um significado estimulante à história e o sentido essencial à vida, tal como o fermento na massa, as cores da esperança são um sim decisivo ao amanhã. As entranhas do nosso ser, quando assentes nessa raiz do novo amanhecer, despertam-nos, na ideia e na realização, não só para anunciarmos teoricamente mas para sermos concretamente o futuro que dizemos. O ser humano completo, pessoal e social, está pela consciência ligado a esse fio pleno de sentido, que compromete na ética dando razões sólidas à esperança. Destaque-se a afirmação de um dos maiores inspiradores da esperança do mundo ocidental, Tomás Moro (1478-1535): «o Homem não se pode separar de Deus nem a política da moral».
3. Homem unido a Deus, e política na base da moral: eis mais algumas bitolas de compreensão (?), não meramente dos tempos de crise (palavra que dizendo-se se quer evitar), mas, essencialmente, numa óptica de superação corrigida, aperfeiçoada e construtiva em ordem ao futuro digno e humano para todos. É interessante como um dos grandes proclamadores da esperança actual, Barack Obama, sabe que este valor não cai simplesmente do céu mas constrói-se no empenho da «nova era de responsabilidade». A ética pode mesmo fermentar a esperança!

domingo, 22 de março de 2009

O FIO DO TEMPO
Tudo é composto de continuação
1. O poeta, no seu desejo de mudança de tempos e vontades diz que “tudo é composto de mudança”. Mas, na verdade mais profunda da condição humana, agora mais que nunca planetária, as coisas pouco mudam na essência. Podendo parecer mentalmente este um tempo social de rupturas abruptas, talvez o que mais falte sejam os “fios” de ligação de tudo, também no ajudar a entender a causalidade que encadeia todos os dados em jogo… Todos, inevitavelmente, somos continuadores da história que nos precede e, na profundidade do ser, somos também continuadores de nós próprios. Ninguém que se conheça a si mesmo e que queira conhecer e dar ânimo à realidade que tem à sua frente, pode afirmar-se isoladamente como inaugurador.
2. A ideia de que se pode “partir do zero” é aniquiladora da memória e restringe a universalidade dos problemas e esperanças do mundo concreto. O filho tem na raiz o pai, o aluno tem o professor, o educando o educador. Como recorda Paulo de Tarso nos seus 2000 anos de vida, “ninguém é por si mesmo”. É tanto mais pertinente esta reflexão comum-unitária quanto os isolacionismos da solução unilateral ganham terreno. Quantas vezes mesmo nos próprios cenários políticos, por falta da construção razoável de consensos generosos que fomentem pontes sustentáveis para o futuro…volta-se ao eterno retorno do princípio. Os desígnios determinantes das estabilidades sociais e humanas obrigarão ao reconhecimento da alteridade do outro como algo de decisivo. Somos com os outros, eis um valor transversal a destacar, nas coisas diárias mais simples.
3. Na continuação afirmada dos mesmos valores, também nós retomamos a colaboração semanal diária. Com o início da envolvente frescura primaveril, iniciamos o sétimo ano de ideias em comum (o primeiro texto publicado no Diário foi em 23-03-2003). Sete, o número perfeito; não que as ideias o sejam…, elas são a continuação simples, errante e peregrina…